Mulheres violadas

Ex-marido e sogro são condenados por assassinato da médica Milena Gottardi

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Ex-marido da médica, o policial Hilário Frasson foi o mandante do crime. Investigação revelou que o homem não aceitava o fim do casamento. Com a sentença, o policial perdeu permanentemente a guarda das filhas. Médica deixou carta registrada em cartório antes de morrer

Milena Gottardi e Hilário Frasson

Os responsáveis pelo assassinato da médica Milena Gottardi foram condenados nesta segunda-feira (30) pelo Tribunal do Júri de Vitória. O ex-marido da médica, Hilário Frasson, o sogro dela, Esperidião, e outros quatro homens participaram do crime.

A médica Milena Gottardi foi baleada na cabeça e morta no dia 14 de setembro de 2017, quando saía do hospital em que trabalhava, em Vitória, aos 38 anos.

As investigações apontaram que o ex-marido de Milena, o então policial civil Hilário Frasson, foi o mandante do crime, junto com o pai dele. Segundo a denúncia do Ministério Público, Hilário não aceitava o fim do casamento com Milena.

De acordo com a acusação, pai e filho teriam contratado dois intermediários para encontrar um atirador. O atirador, que confessou o crime, teria encomendado ao cunhado o roubo de uma moto que foi usada no dia do crime.

Hilário foi considerado o principal mandante do crime. O juiz disse, ao ler a sentença, que Esperidião apoiou e incentivou o filho a matar Milena.

Hilário tinha duas filhas com Milena. Na época do crime, uma tinha 9 anos e a outra, 1 ano e 10 meses. Com a sentença, ele perdeu permanentemente a guarda das filhas.

A sentença definiu ainda que os seis condenados terão que pagar indenização de R$ 700 mil para a família da médica. Nenhum deles poderá recorrer da sentença em liberdade.

Hilário foi condenado a 30 anos de reclusão por homicídio qualificado, feminicídio e fraude processual.

Testemunha do crime

A principal testemunha ouvida no julgamento foi a médica Maria Isabel Lima dos Santos. Ela estava com a vítima e presenciou os momentos que antecederam e, também, a execução do crime. Ela contou com riqueza de detalhes tudo o que ocorreu no início da noite do dia 14 de setembro de 2017.

Minutos antes do assassinato, Milena foi até a sala onde a testemunha estava e começou a conversar, aguardando o horário para registrar o ponto de saída do trabalho.

Quando chegou o horário, elas foram até o relógio de ponto e, posteriormente, Maria Isabel resolveu acompanhar a vítima até o local onde estava o carro estacionado, por ser pouco iluminado.

Quando elas estavam chegando perto do carro, viram um rapaz no local e Milena afirmou que estava com medo e achou a situação suspeita. Elas se afastaram um pouco e ficaram observando.

Como o então suspeito estava apenas usando o celular, elas pensaram que ele estaria aguardando algum funcionário na saída do trabalho e decidiram seguir para o veículo de Milena.

De acordo com a testemunha, Milena colocou a bolsa no porta-malas. Foi quando o rapaz chegou, anunciou o assalto e pediu o celular e a chave do veículo. Ela contou que Milena estava com medo e percebeu na hora que tudo havia se acabado para ela.

A testemunha viu quando Milena entregou algo, mas não se lembra se foram os dois objetos. Logo depois, o suspeito ordenou que elas entrassem no carro. Neste momento, segundo a testemunha, ele gritou e parecia nervoso. Foi quando o criminoso atirou três vezes em Milena e fugiu em uma moto.

Maria Isabel relatou que quando percebeu que o suspeito já estava distante, se levantou e chamou por Milena, imaginando que ela estivesse deitada para se proteger. Como ela não esboçou reação, chamou por socorro.

Já no hospital, poucos minutos após os disparos, algumas pessoas sugeriram que Hilário não fosse avisado, já levantando a hipótese de que ele poderia ter participado.

A médica Maria Isabel também relatou que, após o crime, comentou com os colegas sobre o suposto assalto, dizendo que nada fazia sentido. No entanto, quando leu a carta deixada por Milena, percebeu que havia sentido em tudo. Comentários de colegas eram de que aquilo não era um assalto.

Questionada pelos promotores de Justiça sobre a relação de Milena e Hilário, a testemunha afirmou que a colega de trabalho relatava que não gostava de como o ex-policial civil tratava as crianças em casa.

Carta deixada por Milena

Milena deixou uma carta, registrada em cartório, meses antes de morrer. No documento, ela esclarece que tinha medo de ser assassinada pelo ex-marido. No documento, ela também expressa que, caso isso acontecesse, queria que as filhas ficassem sob a guarda do irmão, Douglas Gottardi Tonini, com a supervisão da mãe, Zilda Maria Gottardi.

Confira a íntegra da carta:

Vitória, 05 de abril de 2017

Meu nome é Milena Gottardi Tonini , sou mãe de “X” (9 anos) e “XX” (1 ano e 10 meses). Sou casada com Hilário Antônio Fiorot Frasson, mas estamos em processo de separação. Temos um relacionamento de 20 anos (7 anos de namoro e 13 anos de casamento).

Por várias vezes ele demonstrou um temperamento difícil com mudanças de humor frequentes durante o dia.

Reage com agressividade em algumas situações, porém sem agressão física. A agressividade é feita através de palavras. Tem manias como de limpeza excessiva que, a meu ver, é muito sugestivo de transtorno obsessivo compulsivo.

Toda essa personalidade sempre me preocupou e me oprimiu porque nunca sabia como ele reagiria às situações do cotidiano. Orientei por diversas vezes à procura de tratamento psiquiátrico, mas ele nunca levou a sério. Ia ao psiquiatra, mas não seguia o tratamento proposto. A situação ficou mais grave a partir do momento que o alcoolismo começou a se tornar algo real nas nossas vidas. Ele era um etilista social (embora mesmo nos finais de semana sempre abusava da quantidade de álcool), o hábito se tornou diário.

Em relação às meninas, sempre foi um bom cuidador, porém, principalmente com a “X” usava também de palavras agressivas e castigos físicos […].

A nossa relação sempre foi de posse. Ele sempre demonstrou muita obsessão à minha pessoa, mesmo antes do namoro. Diante de todos esses fatos, hoje sairei dessa com minhas filhas por determinação judicial, uma vez que estou desde o dia 5 de março de 2017 tentando convencê-lo a sair de casa ou aceitar pacificamente a separação. No entanto, não obtive êxito nas inúmeras tentativas.

As conversas ele sempre partia para o lado das ameaças. Falava que não sairia de casa, nem deixaria as meninas, que se um dia me separasse, ele declararia guerra, e se mataria (falou isso perto de “X” dentre outras falas). Me sinto uma refém dentro da minha própria casa. Está insuportável! Não quero brigar com ele, mas também não consigo ter uma conversa, um diálogo.

Ele não permite isso. Temo pelas crianças. A “X” está em acompanhamento com psicóloga, a qual orientou sempre pouparmos de qualquer divergência entre o casal, mas ele grita e fala coisas terríveis perto dela.

Não aguento essa situação, por isso pedi ao juiz a liberação para sair de casa com as meninas para me poupar e, principalmente, as minhas filhas de um ambiente hostil.

No entanto, não sei qual será a reação dele. Tenho medo que essa agressividade verbal se concretize em atitudes. Temo em ele tirar sua própria vida e, como vemos em muitos casos, tirar a minha vida também.

Poderia ir na delegacia e relatar meus temores, mas não quero prejudicá-lo. Desejo muito que a situação seja resolvida pacificamente.

Embora eu desejo e rezo pela paz. Tenho duas crianças que dependem de mim que são “X” e “XX”, dependem do meu amor, do meu carinho, dos meus ensinamentos e financeiramente.

Por isso, venho através desta carta expor a minha vontade que, se acontecer algo de ruim comigo, por exemplo, se Hilário Antônio Fiorotti Frasson me matar e, pode ser que tente se matar também, eu desejo que minhas filhas “X” e “XX” fiquem sob a guarda do meu irmão Douglas Gottardi Tonini com a supervisão de minha mãe Zilda Maria Gottardi porque assim ficarei em paz.

Sei que eles têm plenas condições de seguir com os ensinamentos e afeto para com as minhas filhas da forma que eu mesma faria. Bem como de utilizar todos os benefícios financeiros a favor da educação das minhas filhas.

Expresso essa vontade em vida e na forma dessa carta para que, se acontecer algo comigo, que as autoridades responsáveis possam se sensibilizar com o desejo de uma mãe que estava em busca somente de paz.

A separação será para mim a busca de paz e, com isso, uma casa harmoniosa para criar minhas filhas. A “X” e a “XX” tenham certeza de que vocês são o bem maior que tenho. O meu amor por vocês é infinito. Um dia vocês saberão que a mamãe tentou de todas as formas manter o casamento, mas não deu.

E a separação foi a forma que eu encontrei de buscar a nossa paz e a nossa felicidade. Eu sempre estarei com vocês para protegê-las e amá-las.