José Dirceu: Oposições precisam reagir unidas à ameaça de Bolsonaro
Independentemente de se tratar de uma bravata ou se, de fato, existe nos altos comandos da Forças Armadas apoio à pretensão presidencial, é hora da mais ampla unidade em defesa da democracia e da liberdade
José Dirceu
Contra fatos não há argumentos, costumava dizer Ulysses Guimarães ao alertar seus interlocutores sobre o significado de uma cadeira vazia.
Ela era sua excelência –o fato– participando da reunião.
Infelizmente os fatos apontam para um agravamento da crise institucional provocada pelo Poder Executivo e pela reação, estimulada ou mesmo articulada por Jair Bolsonaro, de seus apoiadores.
Saiba mais: Bolsonaro convocou apoiadores para um ‘necessário’ golpe de estado
Bolsonaro vive uma situação limite.
Isolado, com aumento de seus índices de rejeição e reprovação, perde a cada dia parte do apoio dos empresários que apoiaram sua eleição, assim como de líderes de partidos de centro-direita e de direita.
Isso porque cresce a convicção de que ele será derrotado no 2º turno caso consiga passar no teste do 1º.
Portanto, para as elites empresariais e os partidos da direita liberal, é preciso buscar uma saída alternativa a Bolsonaro.
Mais do que isso, precisam impedi-lo de ir ao 2º turno já que avaliam que, com outro candidato, teriam mais chances de impedir uma vitória de Lula.
Para a maioria dos brasileiros e brasileiras, a realidade é uma só: carestia nunca vista, inflação, desemprego e risco real de uma crise energética.
As projeções para a economia em 2021 indicam apenas 1,5% de crescimento.
Bolsonaro estica a corda
De seu lado, Bolsonaro vai esticando a corda para aprofundar a crise institucional e estimular o golpismo.
Enquanto o governo se desidrata, ele se dedica a fazer bravatas diariamente –as mais recentes foram o desfile dos blindados na Esplanada dos Ministérios e o pedido de impeachment de 2 ministros do STF.
Na área econômica, Guedes e sua equipe se afundam numa reforma tributária confusa, dão abertamente calote nos precatórios, jogam para o espaço o teto de gastos que, desde sua implantação, estava condenado a não ser cumprido pelo seu primarismo e descompasso com a realidade.
O que estamos assistindo seria chamado pelos neoliberais de populismo de direita, situação que chega ser cômica não fosse trágica.
Para a maioria da sociedade o caráter obscurantista e atrasado do governo se revela em declarações como a do ministro da Educação que afirmou que a universidade é para poucos e que as crianças com deficiência atrapalham.
Um escárnio que revela a natureza dos que nos governam.
Bolsonaro sabe que será derrotado e responderá por seus crimes.
Daí seu total despudor no uso da máquina pública em favor de seus aliados e contra os adversários.
Entre estes, seu alvo predileto são os governadores do Nordeste, já que sabe que o voto nordestino é de Lula.
Na sua sanha de minar as forças dos governadores do Nordeste, adota medidas que lhes subtraem recursos, não autoriza empréstimos já consolidados, suspende o pagamento de precatórios que beneficiariam os governos da região e tira recursos do FPE (Fundo de Participação dos Estados), via reforma do imposto de renda de pessoas jurídicas.
E mais: baixou medida provisória procurando se apropriar do Bolsa Família.
Com ela, praticamente desconstituiu um programa reconhecido em todo o mundo e que deu certo não apenas para retirar da pobreza milhões de brasileiros, mas para o estímulo à economia local e regional como acontece com a previdência social.
STF no alvo de Bolsonaro
Em uma de suas recentes bravatas, Bolsonaro decidiu pedir o impeachment dos ministros do STF Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso.
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, general da reserva, lhe fez coro ao declarar:
“O artigo 142 é o bem claro, basta ler com imparcialidade. Se ele (artigo) existe no texto constitucional, é sinal de que pode ser usado”.
Ou seja, o presidente cria uma crise institucional e faz, por meio de seus porta-vozes, uma interpretação pessoal e não constitucional do artigo 142 na tentativa de “legalizar” a interferência da Forças Armadas no sistema democrático brasileira.
Age contra a Constituição e decisão do STF, a quem cabe a atribuição de interpretar a Constituição Federal, de que não há poder moderador na Constituição de 1988.
Ou seja, as Forças Armadas não têm papel de árbitro ou tutela sobre o poder civil.
Independentemente de se tratar de uma bravata ou se, de fato, existe nos altos comandos da Forças Armadas apoio à pretensão presidencial, é hora da mais ampla unidade em defesa da democracia e da liberdade.
Ditadura nunca mais.