Feminismo

Pais de colégio tradicional do Rio estão preocupados com o ‘feminismo das alunas’

Share

Preocupados com o 'feminismo das alunas', pais de estudantes de colégio da alta sociedade carioca elaboraram questionário bolsonarista e prometem tomar atitudes

(Imagem: Reprodução Anna Ramalho)

Agência Globo

Um questionário feito e distribuído por um grupo de pais de alunos do Colégio Santo Inácio, do Rio de Janeiro — a ser respondido apenas por quem estivesse “alinhado aos seus objetivos” —, gerou eco esta semana e virou foco de discussão.

Na enquete, antecipada pelo colunista Ancelmo Gois no fim de semana, os responsáveis questionam se valores comunistas e feministas estão de acordo com a fé católica, assim como o tema do aborto, “ideologia de gênero”, linguagens neutras e “pautas progressistas contra o modelo tradicional de família”.

Entre as respostas, há algumas em tom ameaçador à instituição, como uma que fala em buscar outra opção de escola para os filhos. Alvos diretos de uma das perguntas, sobre a existência de coletivos feministas no colégio, alunas e ex-alunas reagiram à iniciativa.

Quando tomamos conhecimento do questionário que estava circulando entre um grupo de pais de alunos do CSI ficamos indignadas, mas, infelizmente, não ficamos surpresas. Não é de hoje que ideias sobre feminismo e a defesa dos direitos das meninas e mulheres encontram barreiras e críticas de pessoas que tendem a confundir o pensamento feminista com algum tipo de ideologia política específica. Como nos tempos atuais qualquer assunto é razão para polarização, o movimento contra o assédio sexual de estudantes do CSI também gerou polêmicas. O mencionado questionário traz a afirmação de que os pais “são favoráveis a melhorias, não transformações” e isso nos assusta, pois se não fossem as transformações empreendidas na instituição, até hoje o colégio não aceitaria mulheres“, escreveram as ex-alunas do Santo Inácio, que compõem o coletivo Inaiá, que atua com foco na instituição.

Mensagem enviada pede que perguntas sejam compartilhadas apenas com ‘alinhados com objetivos’ (Imagem: Reprodução)

Hoje, além do coletivo Inaiá, de ex-alunas, há a atuação em conjunto também do coletivo Medusa, de meninas que estudam atualmente no Santo Inácio. Em nota, o Inaiá relembrou os casos de assédio sexual que resultaram no afastamento de profissionais de ensino após vir à tona e ir parar, não só no Ministério Público do Rio, como também na Justiça. À época, os grupos agiram de forma importante para que as denúncias fossem à frente.

Saiba mais: Denúncia de assédio:’Quase toda aula recebia cantadas’: alunas de escola particular na Zona Sul do Rio denunciam assédio sexual de professores

A atuação do coletivo Inaiá, em conjunto com o Coletivo Medusa, de fato tem lutado para provocar mudanças no ambiente escolar. Consideramos fundamental pôr um fim na cultura do silêncio em relação aos abusos de professores e alunos, não só envolvendo o assédio sexual, mas qualquer atitude que vise oprimir a figura feminina. Para isso, é preciso ensinar a crianças e jovens sobre igualdade de gênero e respeito mútuo entre homens e mulheres. Dizer que este tipo de educação se iguala a doutrinação política e ideológica de qualquer matiz não nos parece razoável. Confiamos que os pais que se mobilizaram para proteger as “tradições e valores cristãos” não gostariam de ver suas filhas sendo assediadas ou sofrendo qualquer tipo de preconceito em razão do seu gênero. Por isso, iremos seguir lutando pelo direito dessas jovens serem ouvidas!“, escreveram.

‘Ficamos em choque’

As meninas do Medusa, por sua vez, disseram ter ficado “em choque” com a pesquisa.

‘Raiz e tradição’: introdução do questionário fala em conter transformações na instituição (Imagem: Reprodução)

Ao ver o questionário ficamos em choque que tanto ódio estava sendo manifestado contra o coletivo e sua ação, sem qualquer tentativa de comunicação ou de compreensão a respeito dos nossos reais objetivos. Por outro lado, ficamos extremamente felizes com os pais que, em oposição, fizeram uma petição mostrando o seu apoio à liberdade de expressão na escola e ainda ao nosso direito de lutar pela igualdade de gênero”, escreveram. “Os nossos interesses nunca foram gerar uma polarização ou se desviar dos valores cristãos, e sim dar voz e um espaço seguro às mulheres e meninas da instituição, que apesar de comporem uma parte tão essencial do corpo escolar sofriam silenciamentos recorrentes. Ademais, temos como meta representar as demandas discentes e levar informação sobre o feminismo aos estudantes, assim contribuindo com a missão do CSI de formar o aluno como pessoa, e não apenas academicamente. Por esses motivos, já obtivemos o apoio da nova direção, e estamos lutando incansavelmente para tornar o colégio um local mais acolhedor e igualitário“.

Você é feminista ou sabe o que é feminismo? Faça o teste

Quem também comentou sobre o questionário foi Luciana Boiteux, advogada, política, militante feminista e ex-aluna do Santo Inácio.

Como ex-aluna do Colégio Santo Inácio e feminista, fiquei muito orgulhosa da reação das meninas e da luta coletiva que elas estão empreendendo contra o assédio no colégio. O que chama atenção nesse caso, não só em relação a um grupo de pais que não consegue enxergar essa luta coletiva delas como uma luta por dignidade, também penso que é um tema que deve ser refletido em todas as escolas”, opinou Boiteux.

‘Feminismo está de acordo com a fé católica?’, questionam enquete (Imagem: Reprodução)

Para ela, os pais que elaboraram o questionário precisam se esclarecer sobre as questões do feminismo.

Os pais vão ter que compreender também que o feminismo não é isso que eles estão achando que é. Acho muito preocupante essa confusão desse grupo de pais que falam em ideologia de gênero, o que nem existe. Mas é importante que a gente consiga apoiar essas meninas. E esses pais já devem estar se sentindo envergonhados, porque essa luta delas é muito bem colocada, está se tornando visível e tem o apoio da maioria da sociedade”.

Questionário cita ‘apologia ao aborto’ e ‘ideologia de gênero’ (Imagem: Reprodução)

‘Democracia prevê pluralismo de ideias’, defende deputado que integra o grupo

O deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ), conhecido por seu perfil conservador, é um dos integrantes que compõem o grupo de pais que elaborou a cartilha com o questionário on-line. O parlamentar disse ter ficado sabendo sobre a pesquisa recentemente, que ainda não teve tempo de respondê-la, mas que a a vê como um ato democrático.

“As minhas relações com o Colégio Santo Inácio estão na esfera privada, e não converso com o colégio na condição de deputado e sim de pai de alunos. Tomei conhecimento da pesquisa recentemente, e ainda não pude nem responder. É um questionário simples, com três opções de resposta para cada pergunta. Me parece que os pais estão formando um grupo para fazer reivindicações ao colégio e querem entender o quanto essas demandas encontram eco na totalidade dos pais, nada mais que isso — disse Amorim. — Quem procura um colégio como o Santo Inácio tem interesse numa formação dos filhos com valores cristãos, alinhados com as ideias e conceitos da religião católica, buscando a formação de cidadãos responsáveis, prontos a contribuir para a sociedade e constituir famílias. Democracia prevê pluralismo de ideias, apenas isso”.

Colégio comenta o caso

Procurado para comentar sobre o caso, o Colégio Santo Inácio disse em nota que “acolhe a pluralidade dos estudantes, famílias e colaboradores“, e que vem sempre “mantendo a fidelidade aos princípios inacianos de formar cidadãos conscientes, competentes, compassivos e comprometidos“.

Com mais de três mil famílias compartilhando o dia a dia do Colégio, é esperado que coabitem posicionamentos distintos e entendimentos variados sobre os desafios vividos pela sociedade. O Colégio Santo Inácio, alinhado com a proposta educativa jesuíta, acolhe a pluralidade dos estudantes, famílias e colaboradores que fazem parte de sua comunidade escolar, respeitando as diferenças, mas sempre mantendo a fidelidade aos princípios inacianos de formar cidadãos conscientes, competentes, compassivos e comprometidos.

Os movimentos autônomos que se organizam entre famílias são de responsabilidade dos próprios grupos e não fazem parte da estrutura organizacional do Colégio. Com todos, a Direção e os educadores buscam uma convivência baseada no diálogo saudável e no respeito.

É importante ressaltar que, quando se trata de atividades propostas pelo Colégio, elas são construídas a partir do Projeto Educativo Comum dos colégios da Rede Jesuíta de Educação (RJE) e não sofrem influência alguma de política ou orientação ideológico-partidária“.

Siga-nos no InstagramTwitter | Facebook