Roberto Jefferson e Daniel Silveira viram mártires da liberdade do 7 de Setembro
Jair Bolsonaro não quer ser investigado nem dar satisfação do que faz. Nem para a Justiça, nem para qualquer brasileiro. Para isso, precisa que quem ainda o apoia vá às ruas e ajude a emparedar os outros Poderes
Matheus Pichonelli, Yahoo
Em entrevista a uma rádio de Goiás, Jair Bolsonaro voltou a conclamar seus apoiadores a tomarem as ruas nas manifestações de 7 de Setembro. O presidente está em guerra contra ministros do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior Eleitoral e sua oposição no Congresso, sobretudo os integrantes da CPI da Covid. O ex-capitão é alvo das apurações sobre supostos crimes e omissões durante a pandemia e na difusão de ataques contra adversários e instituições, com direito a fake news e endosso dos chamados atos antidemocráticos.
Bolsonaro não quer ser investigado nem dar satisfação do que faz. Nem para a Justiça, nem para mim, nem para você. Para isso precisa que você vá às ruas e ajude a emparedar os outros Poderes. O golpismo é explícito, mas ele tenta embalar a estratégia dizendo que a pauta é a defesa da “liberdade”.
Eis o que disse o ex-capitão na entrevista: “Não pode uma pessoa no STF e uma no TSE se arvorarem agora como as donas do mundo e que tudo decidem no tocante a esse ponto, liberdade de expressão”.
Um marciano que desembarcasse ontem no Brasil imaginaria que Bolsonaro é um cavaleiro alado e isolado que observa, acuado, gente idealista, inocente, pacífica e decente ser levado ao cárcere dos que não admitem essa tal liberdade.
As vítimas desse moedor de liberdade citadas pelo presidente são o deputado Daniel Silveira e o presidente do PTB, Roberto Jefferson. Dois mártires da libertação nacional.
Silveira tem vídeo gravado em suas redes sociais ameaçando e defendendo que integrantes de manifestações anti-fascistas fossem alvejados pela polícia “no meio da caixa do peito”. Ele ainda manifestou o desejo de descarregar a sua arma em cima de um “filho da puta comunista” que esbarrasse com ele.
O grandalhão, porém, só foi parar atrás das grades depois que direcionou a mira e a ira em direção a autoridades públicas. Por unanimidade, o plenário do Supremo Tribunal Federal recebeu uma denúncia da Procuradoria Geral da República na qual ele é acusado de agredir verbalmente, ameaçar e incitar a violência contra ministros da Corte, além de estimular a animosidade entre as Forças Armadas.
“Todo mundo está cansado dessa sua cara de filha da puta que tu tem, essa cara de vagabundo. Várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra, quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte”, disse, o mártir da liberdade, em direção a um dos ministros do Supremo.
A outra vítima do índex supremo é o ex-mensaleiro Roberto Jefferson.
No dia em que Bolsonaro saiu em defesa do seu aliado, um pobre coitado que já não pode dizer o que pensa sem sofrer as consequência das mordaças judiciais, a Procuradoria Geral da República o denunciou por incitação ao crime, manifestação de preconceito de raça e calúnia. Entre outras palavras de amor, Bob Jeff defendeu, antes de ser detido, que o Senado fosse invadido, se preciso, até que integrantes da CPI fossem colocados para fora “a pescoção”.
Os vídeos eram gravados com armas na mão, como pede o figurino bolsonarista, entusiasta do fuzil como item básico à mesa do brasileiro (os criminosos que botaram o terror em Araçatuba, fortemente armados, parecem concordar com a licença para matar).
Para converterem seus delírios em golpe de Estado, hoje uma possibilidade real, Bolsonaro e seus beneficiários vão torturar de toda forma o dicionário da Língua Portuguesa até que os atos e palavras de Jefferson e Silveira virem sinônimos de “liberdade”. Embaixo do verniz está uma verdade em fiapos.
Se a fronteira entre a liberdade e a ameaça armada ainda está confusa em sua cabeça, faça o teste em casa e grave um vídeo com recado semelhante a algum amigo do trabalho, a diretora da escola ou o delegado de sua cidade para ver o que acontece.
É pela impunidade de gente como Silveira e Jefferson —além da dele, claro — que Bolsonaro trabalha para que você vá às ruas no dia 7 de Setembro.
Antes de aderir ao ato, recomenda-se apenas imaginar o que aconteceria com você se amanhã o Supremo e o Congresso forem transformados em um estacionamento de shopping, Silveira e Jefferson forem nomeados ministros da Justiça e da Segurança e você, em algum momento, discordar de algum decreto imperial.