‘O mito murchou’. Bolsonaristas mais radicais desabafaram nas redes após recuo do presidente e telefonema para Moraes. Carta de Bolsonaro não apaga seus crimes, mas frustra sua base
Nas redes sociais, bolsonaristas lamentaram o conteúdo da carta aberta divulgada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), na qual recua de discurso golpista em manifestações do 7 de Setembro e diz declarar respeito às instituições brasileiras.
O documento foi redigido após encontro o ex-presidente Michel Temer e Bolsonaro, que buscava conselhos para administrar bloqueios de caminhoneiros e para tentar contornar a crise com STF (Supremo Tribunal Federal).
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“Game over [ou fim de jogo, na tradução livre]“, resumiu o blogueiro Allan dos Santos, um dos principais aliados de Bolsonaro até então. “Inacreditável”, acrescentou, em outra mensagem, ainda parecendo não acreditar na carta divulgada pela presidência.
“Se era xadrez 4D, parece que Bolsonaro tomou um xeque-mate de uma rainha tridimensional. Depois da demonstração de força do povo, o presidente demonstra fraqueza. Situação bem complicada para os patriotas. Bolsonaro pode ter assinado sua derrota hoje…”, escreveu o jornalista Rodrigo Constantino. “O sistema declarou guerra ao povo. O presidente sucumbiu ao sistema.”
“Continuo aliado, mas não alienado. Bolsonaro pode colocar a nota que quiser. As minhas convicções são inegociáveis“, protestou o pastor Silas Malafaia.
Em discurso feito direto da tribuna da Câmara, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) se disse “frustrada” com documento e comparou o sentimento de agora ao mesmo que sentiu quando houve o pedido de demissão do ex-ministro Sérgio Moro.
“A princípio, eu vou dizer que fiquei até um pouco frustrada. Frustrada da mesma forma da época em que o Moro pediu demissão“, disse ela. “Mas quando o presidente Bolsonaro posta um carta dessa, onde se põe de humilde para poder harmonizar os poderes, e vocês [se refere à oposição] acham ruim, porque para vocês ‘quanto pior, melhor’… Mas eu tenho certeza que o tempo dirá que o presidente estava certo“, completou, em seguida.
A carta é um recuo de Bolsonaro, em meio a uma crise institucional com o STF e com o Congresso e a uma paralisação de caminhoneiros que ganhou força ontem. No documento, Bolsonaro suaviza o tom ao citar o ministro Alexandre de Moraes, alvo principal dos seus ataques no feriado da Independência.
Intitulada “Declaração à Nação”, a nota oficial do governo Bolsonaro foi divulgada momentos após uma reunião com ex-presidente Michel Temer, em Brasília. No encontro, um dos assuntos tratados foi a paralisação de caminhoneiros, que o governo tenta controlar — em 2018, quando era presidente, Temer lidou com uma greve da categoria. E foi Temer quem indicou Moraes para o STF.
Racha entre bolsonaristas
O movimento de racha entre apoiadores de Bolsonaro deu os seus primeiros sinais após o chefe do Executivo enviar um áudio para ser distribuído nos grupos de caminhoneiros, pedindo que a tal paralisação fosse interrompida.
O apelo do presidente surpreendeu os motoristas, que, a princípio, duvidaram de sua autenticidade. Até mesmo o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), fiel representante dos delírios bolsonaristas e um dos alvos do inquérito do STF sobre manifestações antidemocráticas, garantia que a mensagem era fake.
A partir daí, o feitiço virou contra o feiticeiro. O que se seguiu nos grupos de WhatsApp e Instagram foi uma chuva de críticas pesadas dos motoristas ao ocupante do Palácio do Planalto. Os termos usados vão desde “decepção” até palavrões dos mais cabeludos.
O mito ‘murchou’
“O mito murchou”, diz o deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG). Para ele, o recuo inesperado contido na carta de Bolsonaro causa sensação de frustração e decepção nas hostes bolsonaristas. “Eles queriam um deus. Fizeram até uma estátua de madeira para ele, e o deus deles arregou.”
Na opinião de Delgado, Bolsonaro “ficou empolgado” com os gastos de dinheiro dos empresários amigos da soja e de igrejas. “Falou besteira, e o maior prejudicado de tudo o que aconteceu nos dias 7, 8 e 9 foi ele mesmo. Tanto que reconhece, ao murchar”, diz o deputado. Assim, completa, o 7 de setembro não valeu nada para os que achavam que ele ia acabar com a democracia. Apesar do tom pacífico da carta ao país, o deputado mineiro lembra que os crimes do presidente não deixaram de existir por causa disso. “Ele ia resolver (o que chamou de) os problemas do país, ia para o enfrentamento, e agora diz que falou no calor da emoção. Desdiz tudo o que disse? Ele deixou de cometer crime de responsabilidade? Não. Está cometido, está gravado.”
Para o líder do PT na Câmara, Bohn Gass (RS), todos os sinais de Bolsonaro e sua história são de enfrentamento, agressão e desrespeito constitucional. “Por isso, seu isolamento cresce. O mercado reagiu muito mal ao 7 de setembro. Fora sua base bruta, ele perde apoio. Portanto, a carta é de pouca eficácia e ele também perderá sua base bruta”, diz.
nalistas avaliam o recuo de Bolsonaro como uma capitulação. “Mais uma bandeira branca vazia e sem sentido? Claro. Mas algo mudou radicalmente. Ele apostou tudo em sua base mais fiel. Vendeu um Golpe, mas entregou uma capitulação. Hoje ninguém mais confia em sua palavra, nem mesmo aqueles que choram emocionados com um estado de sítio”, escreveu o professor da Ufabc Vitor Marchetti.
No Twitter, o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) escreveu: “Bolsonaro incentiva a arruaça, perde o controle e depois pede socorro a TEMER! Um sujeito desqualificado desse não pode ser presidente da República. O Brasil virou um caminhão desgovernado”.
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