Armas: Não preciso!
E o Presidente(?), ignorando um princípio básico do próprio uso da arma de fogo, a prudência, volta e meia ainda tenta legislar sobre esses assuntos sem debater nem mesmo com o Legislativo, via medidas provisórias e decretos
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Bolsonaro continua na sua saga de armar a população. Agora o STF barrou outra flexibilização para o porte ou posse de armas. Não me perguntem o quê. Parece que é algo relativo a rastreamento dos armamentos. De novo, não tô por dentro. Não é um assunto que me desperte ambição. Nem vou dizer mais nada, sob pena de trazer equivocadas informações (algo que está em voga e até o Presidente(?) menospreza, mas eu prefiro não fazer). Mas chama atenção um governo que pretensamente quer combater o crime com rigor tentar afrouxar regras que justamente ajudariam na prevenção e resolução dos malfeitos.
De minha parte, contudo, mesmo que o governo(?) consiga seu objetivo e transforme as cidades num imenso bang-bang, em que cada um anda com a sua arma na cintura, eu não vou querer ter uma. Por alguns motivos.
O primeiro deles é decisivo: não teria dinheiro para comprar uma pistola sei lá de que calibre, que não entendo dessas coisas. Embora felizmente eu não faça parte dos mais de catorze milhões de desempregados do País (as reformas trabalhistas e previdenciárias não iriam resolver isso?) e nem seja um “empreendedor” que trabalha doze horas por dia dirigindo um veículo de aplicativo, a inflação ceifa meu salário já sem reajuste há dois anos.
Há quem defenda, por exemplo, que a pauta do Brasil devia ser justamente, ao invés de armas, o desemprego, os trabalhos precários e o arrocho salarial. Mas cada governo tem suas prioridades, não é mesmo?
Mas outros motivos me levam a dispensar o porte ou mesmo posse de armas, ainda que eu fosse um milionário que lucrei na pandemia e não tivesse minha fortuna taxada:
Não posso com barulho. É comprovado que a poluição sonora é vetor de várias doenças neurológicas e psiquiátricas. Já me bastam os barulhos intrínsecos ao dia a dia com as quais tenho que conviver, como os estudantes do sexto ano, o motor da minha geladeira e os magrões de carros rebaixados que, carentes de atividades recreativas, passeiam pelas cidade ultrapassando os decibéis permitidos ouvindo os fânquis e tut-tut do momento.
Falar em trânsito, não possuo uma SUV financiada como os tiozinhos de meia-idade em busca duma autoafirmação tardia. Mas tenho um sedã um-ponto-seis. Quitado. Já colabora no aumento da minha sensação de virilidade.
Falar em virilidade, meu pinto é maior do que a média do dos brasileiros. Sério, pesquisei no Google. As mina dizem que tamanho não importa. Talvez não importe pra elas, mas é bom se exibir pros amigos. Trinta-e-oito nenhum substitui isso.
E ainda nessa área, não seria mesmo recomendado eu ter um revólver. Sou péssimo de mira. Mal consigo acertar o xixi no lugar certo, que dirá um meliante a dezenas de metros correndo. Mas só um porém: me nego a fazer xixi sentado. Afetaria minha tão almejada masculinidade.
E quanto a isso, entrar num confronto, não sei se o faria, na verdade. Sou um pacifista convicto. Eufemismo pra cagão. Mas não me provoquem. Dou um boi pra não entrar numa briga. E uma tropa já engordada pra reforçar meus argumentos.
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Virilidades e tamanhos de pintos à parte, a discussão sobre o porte e posse de armas talvez deva sim ser feita. Mas acredito que, definitivamente, num cenário ainda pandêmico, de crise econômica e social, de crise política e com o País efervescendo num maniqueísmo dicotômico, com uma suposta ameaça de golpe, não é o momento de falarmos nisso.
E o Presidente(?), ignorando um princípio básico do próprio uso da arma de fogo, a prudência, volta e meia ainda tenta legislar sobre esses assuntos sem debater nem mesmo com o Legislativo, via medidas provisórias e decretos.
Repito, acho que um debate sério e consistente, envolvendo toda a sociedade, apresentando os prós e contras com argumentos e dados robustos, pode ser feito. Mas, por ora, o momento é de se vencer as crises, a pandemia e o caos político que estamos metidos.
Por enquanto, cada um busque alternativas de aumentar a sua sensação de masculinidade.
Dependendo da oferta, tô vendendo meu carro.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”