Bolsonaro tenta colocar o Brasil refém de seu medo de ser preso. Presidente gastou todos os recursos que sobraram para agitar seus apoiadores e ameaçar um ministro. "Nós temos a foto para mostrar para o mundo. Dá tempo de se redimir, seu Alexandre de Moraes", disse o presidente
Horas depois de atacar o Supremo Tribunal Federal e anunciar uma reunião não convocada do Conselho da República, o presidente Jair Bolsonaro, com medo de ser deposto ou preso, subiu o tom em discurso em São Paulo e direcionou suas investidas aos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso e ao sistema eleitoral.
Tanto o ritual em Brasília como o de São Paulo desta terça-feira (7/9) mostraram com clareza o planejamento. A ideia foi alavancar um movimento para emparedar o Supremo e o Congresso. Não só internamente. As faixas e cartazes pintados em inglês visaram um eventual apoio externo, como repetiu o presidente ao referir-se, repetidamente, “ao Brasil e ao mundo”.
Em cima de um carro de som na Avenida Paulista, o presidente mandou avisar “aos canalhas que querem me tornar inelegível em Brasília: só Deus me tira de lá”. Depois, repetiu fala recente ao prever três futuros possíveis para si próprio: prisão, morte ou vitória.
“[Quero] dizer aos canalhas que nunca serei preso. A minha vida pertence a Deus. Mas a vitória é de todos nós”, disse. Foram suas últimas palavras. Ele agradeceu ao público e se retirou.
Antes, para chegar ao ápice, atacou os mesmos inimigos de sempre. Iniciou o discurso com críticas a prefeitos e governadores, pelas restrições durante a epidemia de Covid-19, que, para ele, foram “piores do que o vírus”.
Na sequência, focou no ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, um alvo preferencial. Afinal, é o relator dos inquéritos que investigam atos antidemocráticos e campanhas de desinformação na internet e será o presidente do Tribunal Superior Eleitoral nas eleições de 2022.
Jair Bolsonaro anunciou que não cumprirá decisões proferidas por Alexandre de Moraes. “Nós temos a fotografia para mostrar ao mundo. Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair. Não se pode admitir que uma pessoa apenas, um homem apenas, turve a nossa liberdade. Dizer a esse ministro que ele tem tempo, ainda, para se redimir. Tem tempo, ainda, de arquivar seus inquéritos”, disparou.
O presidente, que se definiu como um democrata que age “dentro das quatro linhas da Constituição”, também voltou a atacar o sistema eleitoral, uma batalha perdida em agosto, quando o Congresso derrubou a proposta de emenda à Constituição que previa a adoção do voto impresso junto da urna eletrônica.
“Não é uma pessoa do Tribunal Superior Eleitoral que vai nos dizer que esse processo é seguro e confiável”, afirmou, em referência ao presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso.
“Não podemos admitir um ministro do TSE também usando a sua caneta para desmonetizar paginas que criticam este sistema de votação”, apontou, em referência ao ministro Luís Felipe Salomão, corregedor-geral da Justiça Eleitoral. Em agosto, Salomão determinou a suspensão do repasse de valores de monetização de redes sociais a canais e perfis dedicados à propagação de desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro. Isso por constatar que os investigados vêm obtendo vantagens financeiras por meio de reiterados ataques infundados.
E por fim Bolsonaro avisou: “Não posso participar de uma farsa como essa patrocinada ainda pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral”.
Se não tem a intenção de concorrer em eleições com voto eletrônico — pesquisas demonstram que a popularidade do presidente está em queda e que ele perderia a disputa à reeleição em 2022 —, Bolsonaro voltou a ameaçar propósitos golpistas ao encerrar o discurso prometendo que só Deus o tira de Brasília.
“Hoje prestamos contas a vocês, e não a partidos políticos”, disse o presidente, que atualmente não está filiado a nenhuma legenda. “Tenho cada vez mais a certeza do nosso futuro. O apoio de vocês é primordial. É indispensável para seguirmos adiante”, disse.
Para o jornalista Igor Gielow, os dois discursos do presidente neste feriado mostram um Bolsonaro pintado para uma guerra pessoal. “Seria mais fácil colocá-lo num ringue com Alexandre de Moraes para definir o destino do país, na visão apresentada sem nenhum pudor pelo mandatário. A anomia vem se desenhando desde 2019, mas obviamente ganhou contornos dramáticos nas últimas semanas. Bolsonaro agora é um presidente em estado de delinquência anunciada: afirmou que não respeitará decisões do ministro do Supremo a quem elegeu como inimigo. Na prática, isso não diz nada, exceto que ele mande a Polícia Federal ignorar a corte. Mas é uma sinalização de desespero terminal”.
Conjur