João Stacciarini
Hoje, durante ida ao supermercado, tive a infelicidade de presenciar a “motociata bolsonarista” e suas pautas bizarras, como faixas e gritos pedindo o fechamento do Congresso, do STF e a destituição de todos os políticos (vereadores, prefeitos, deputados, senadores e governadores) das 5.570 cidades brasileiras a não ser, é claro, do salvador Messias Bolsonaro – único cidadão honesto e qualificado para governar nosso país.
Tudo bem que a conjuntura (carros e motos) permite reunir um número muito maior de pessoas que o esforço de uma passeata exigiria, mas confesso ter ficado intrigado com a adesão. Entre os motoristas – em sua maioria pilotando modelos nobres (se é que esse conceito ainda existe… afinal, um automóvel dito como popular, já custa cerca de 60 mil reais) – não parecia haver temores com o preço da gasolina a quase 7 reais!
Pensava comigo: “ok, faz sentido… estamos em Goiânia, uma cidade que por questões histórico-culturais tem ampla base bolsonarista! Não é à toa que ele obteve 74% de votação aqui em 2018, frente aos 26% do outro candidato”. Por outro lado, questionava: “mas não foi neste mesmo estado que o presidente conseguiu brigar até mesmo com um de seus maiores apoiadores, o governador ‘amigo’ com quem era supostamente alinhado ideologicamente, como reforçado por ambos em palanque eleitoral?”
Mas afinal será que bolsonaro tem mesmo amigos?!
Sem chegar a um consenso, e ainda apreensivo, segui às compras. Ao som das buzinas que ecoavam do lado de fora, percorro as prateleiras: carne de segunda – 40 reais o quilo, arroz – 30 reais o pacote, feijão e óleo de cozinha – 10 reais. Desisto de traçar uma lógica realista e acabo entregando-me à distopia: “o que está acontecendo comigo? Estou mesmo vivendo a realidade?”. Na tentativa de reduzir o sofrimento interno, penso só me restar voltar para casa e tentar dissipar um pouco dos meus pensamentos com uma boa leitura.
Com o movimento reduzido de um feriado – potencializado ainda pela dicotomia que separa os que estavam na rua dos que tiveram medo de sair para nela se expressar – chego logo ao caixa. Quatro ou cinco atendentes aproveitavam o raro momento de tranquilidade para conversar. Cabisbaixo, soltei um “bom dia” e fui novamente engolido pelas reflexões: “será mesmo que teremos mais quatro anos de ameaças golpistas e delinquência presidencial – comportamento que tanto nos atrapalha e nos envergonha perante todo o mundo?”
Neste momento, uma das funcionárias me pergunta sobre o feriado. O clima fica instável de ambos os lados! Cauteloso, respondo que poderia estar melhor se não fosse a peregrinação bolsonarista. De forma singela, o ambiente mútuo de desconfiança dá lugar ao otimismo. Reunidas elas dizem: “graças a Deus!”
Em meio a manifestações diversas, emerge o sentimento de identificação. Sentindo-se mais à vontade, uma delas coloca o seu ponto de vista: “Para eles é fácil! Não ganham salário-mínimo e não precisam se preocupar com o preço da comida, da energia, do ônibus […]”. A conversa segue por poucos minutos até que recolho minhas duas sacolas e volto para casa esperançoso.
Não se iludam, o povo tem lado!
Somos 70%, embora o medo, por vezes, não nos deixe expressar publicamente. Mais de dois terços da população não quer Bolsonaro, como indicam todas as pesquisas com credibilidade nacional e internacional. A conjuntura já não é a mesma de 2018!
Carlos Bolsonaro, mesmo com financiamento e apoio do pai, do prefeito e do governador interino do Rio – todos seguidores da mesma linha ideológica – não conseguiu ter mais votos que o professor Tarcísio Motta para o cargo de vereador no ano passado.
De lá para cá – em meio a mansões, rachadinhas, inflação, pandemia, medo, incerteza, miséria e desemprego – as coisas só pioraram e o apoio popular a bolsonaro e a sua família diminuiu ainda mais.
Fiquem firmes e não se deixem desencorajar… pode demorar algum tempo para que os acontecimentos recentes comecem a ser superados e possamos enxergar alguma identificação com a bandeira nacional novamente, mas a tormenta bolsonarista logo irá passar!
*João Stacciarini é Professor de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG/Cepae).
Siga-nos no Instagram | Twitter | Facebook