Policiais alegaram que agiram em 'legítima defesa durante troca de tiros', mas vídeo flagrou a execução e comprovou que versão apresentada pelos PMs era falsa
Murilo Henrique Junqueira, de 26 anos, morreu após ter sido baleado por policiais militares em Ourinhos, cidade do Interior de São Paulo. O caso aconteceu no dia 20 de setembro, na Vila Operária, e foi registrado como legítima defesa, pois segundo a versão dos PMs, quando foram tentar prender Murilo, que era foragido da justiça, houve troca de tiros. O rapaz foi socorrido e levado para a Santa Casa, mas não resistiu.
A versão sustentada pelo cabo João Paulo Herrera de Campos e pelo subtenente Alexandre David Zanete, do 31º batalhão da PM, no boletim de ocorrência, no entanto, foi desmentida por imagens de uma câmera de segurança que mostram um momento da abordagem em que Murilo está vivo, com as mãos para o alto, sendo baleado em uma curta distância.
A vítima era um foragido da Justiça por tentativa de homicídio. Quando abordado próximo a uma casa pelo subtenente Alexandre Davi Zanete, 49, e pelo cabo João Paulo Herrera de Campos, 37, Junqueira põe as mãos na cintura e, em seguida, as leva à cabeça e se aproxima dos PMs. Nesse momento, é atingido pelo primeiro tiro.
Dois segundos depois, já no chão, é baleado mais uma vez. Um intervalo de 18 segundos se passa até que outro tiro é disparado, desta vez para o alto.
Ao apresentarem a ocorrência ao plantão policial, os PMs disseram ter agido em legítima defesa.
Comunicado sobre o caso, o delegado José Henrique Ribeiro Junior, da DIG (Delegacia de Investigações Gerais), foi ao local inicialmente para ouvir a versão dos policiais e registrar a ocorrência. Não havia indício de que a versão não fosse verdadeira, até a descoberta das imagens.
“Pedimos um mandado judicial e fomos até a casa com um técnico da área. Encontramos o gravador e, com surpresa, vimos nas imagens que a versão apresentada pelos policiais não era real, não coincidia com as imagens que a gente estava vendo“, disse o delegado.
Um inquérito foi instaurado em sequência, com pedido de prisão temporária de Zanete e Campos, que foi autorizada no dia seguinte.
Avisada do ocorrido, a PM local cumpriu os mandados e levou os policiais para serem apresentados. Na última quarta-feira (22), foram encaminhados ao presídio militar Romão Gomes, na capital.
“Esperava que as imagens confirmassem a versão apresentada por eles, foi com surpresa que a gente viu [que não]”, disse o delegado.
O inquérito está em andamento e, segundo Ribeiro Junior, além das imagens também já houve a confirmação de testemunhas.
A Polícia Militar informou que o comando local da corporação começou a investigação sobre o crime imediatamente e que, com base nas provas colhidas, como o vídeo, pediu a prisão preventiva dos dois policiais envolvidos.
“Dada a gravidade das imagens expostas e conduta inaceitável de quem tem o dever de zelar pela legalidade e proteção das pessoas, a Polícia Militar, compromissada com defesa da vida, continuará apurando com o rigor necessário e informará à sociedade de todos os atos de investigação decorrentes“, diz comunicado da PM paulista.
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Para o pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Dennis Pacheco, sem a divulgação da gravação, provavelmente, a investigação do assassinato do jovem negro, com histórico judicial, seguiria apenas o roteiro apresentado pelos policiais militares.
“Claramente não houve resistência. Foi uma execução e, se ela aconteceu, é porque esses policiais sentiram que sairiam impunes, mesmo com a câmera ligada. Essa sensação não é deles individualmente, ela é proporcionada com um quadro geral de enorme impunidade de policiais que matam”, aponta Pacheco.
Murilo usava camiseta branca e shorts jeans quando foi morto. A imagem mostra ele se contorcendo no chão entre o primeiro e segundo tiro. A declaração de tentativa de prestação de socorro por parte dos policiais seria uma estratégia comum utilizada para dificultar uma investigação posterior, já que após a retirada do corpo do local a cena ficaria comprometida.
“A responsável por investigar mortes decorrentes de intervenções policiais é a Polícia Civil, que precisa colocar em dúvida e questionar a versão dos policiais, e não reforçá-la e neutralizá-la juridicamente de antemão como acontece em uma grande parcela dos casos”, comenta Pacheco.
Em São Paulo, a Polícia Militar passou a adotar o uso de câmeras acopladas nos uniformes para gravar as ações policiais. O objetivo da mudança é garantir que casos como o de Murilo não se tornem rotina no trabalho policial. A sensação de impunidade entre os PMs que matam é reforçada, segundo Pacheco, também pelo padrão de atuação do Ministério Público diante de casos similares.
“Depois da conclusão das investigações, o papel de controle da atividade policial é exercido pelo Ministério Público, que tem sido um dos fiadores da impunidade policial, porque assim como a Polícia Civil, acata a narrativa padrão de resistência como verdade e arquiva uma esmagadora maioria dos casos”, afirma o pesquisador.
O ouvidor das Polícias de São Paulo, doutor Elizeu Soares Lopes, disse que as imagens mostram uma “execução a sangue frio” e um “ato de barbárie”. Os dois policiais militares foram presos pela corregedoria da PM.
Assista ao vídeo:
Com Juca Guimarães, Alma Preta e Marcelo Toledo, FolhaPress
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