A vitória do macrismo e a ascensão da direita radical na Argentina
Coalizão da "direita moderada", do ex-presidente Mauricio Macri, é a grande vencedora das eleições primárias na Argentina. No entanto, o que mais chamou a atenção foi a boa performance nas urnas do radical de direita Javier Milei e de outros candidatos extremistas
Fernanda Paixão, Brasil de Fato
As novas alianças políticas e o resultado das urnas deste domingo (12) das primárias argentinas apontam para uma radicalização da direita no país. A Primária, Aberta, Simultânea e Obrigatória (Paso) trouxe uma derrota contundente da coalizão governista do presidente Alberto Fernández, a Frente de Todos (FdT), e o fortalecimento de candidatos extremistas que reúnem um pacote já bem conhecido no Brasil nos últimos anos: negacionismo, discurso anti-política e conservadorismo.
A coalizão governista ficou atrás do bloco do ex-presidente Mauricio Macri, o Juntos por el Cambio (JxC), em quase todo o país, com exceção das províncias de Catamarca, Formosa, La Rioja, Salta, San Juan e Tucumán, distritos onde o JxC foi a segunda maior força política.
Apesar da esperada concentração de votos à direita na coalizão macrista, uma das grandes surpresas dessa eleição primária foi quantidade de votos do extremista Javier Milei, economista e pré-candidato a deputado nacional na capital federal pelo partido Avanza Libertad.
Milei foi o terceiro mais votado na cidade de Buenos Aires, com 13,66% dos votos, atrás apenas do FdT (24,66%) e do JxC (48,19%). O economista defende “a liberdade e o direito à propriedade privada“, quer eliminar o Banco Central, reduzir o número de legisladores e diminuir os salários da classe política. Quanto à sua visão de política externa, afirma que fará o possível para “terminar com a usurpação dessas ditaduras“, referindo-se à Venezuela, Nicarágua e Cuba.
Já na província de Buenos Aires, o candidato pelo Avanza Libertad foi José Luis Espert, também a deputado nacional. No distrito eleitoral que mais surpreendeu o governo nacional (com 37,99% para o JxC), foram 4,87% de votos para o partido ultraconservador.
Ainda que menos mediático e teatral que Milei, Espert integra uma importante camada do eleitorado que cultiva apreço aos discursos anti-políticos e neoliberais, e já elogiou a postura de Jair Bolsonaro em diversas ocasiões.
Após a vitória de 2019 do peronismo, o mapa de resultado da Paso deste domingo mostra um cenário inverso. Como apontam analistas e jornalistas no país, deve-se considerar que uma eleição legislativa não é o mesmo que uma eleição presidencial, onde estão em jogo cargos do executivo e onde o eleitor busca ser mais estratégico em seu voto. No entanto, o quadro que se apresenta é não só da vitória da direita, mas de um crescimento perigoso do setor mais à direita do macrismo.
Essa corrente ultraliberal tem atraído o voto jovem, com um discurso agressivo e de esgotamento da classe política, baseando-se na necessidade de romper com essa “casta”, como costuma dizer Milei.
Na campanha, foi possível vislumbrar uma radicalização do discurso de candidatos do JxC, que costumam seguir uma linha moderada do discurso liberal. Em uma aposta para não perder votos para a ultradireita, a líder da lista na capital federal, Maria Eugenia Vidal, arriscou críticas mais diretas ao kirchnerismo e à classe política.
Caldo de cultivo para o “voto bronca”
As urnas teriam refletido o “voto bronca”, a canalização da insatisfação social diante da pobreza e da economia, ainda travada em uma Argentina golpeada pela pandemia e pela dívida bilionária com o Fundo Monetário Internacional (FMI), deixada pela presidência de Macri. Estes pontos foram destacados pelo presidente Alberto Fernández em seu discurso na sede do Frente de Todos na noite de domingo (12): economia, permanência da pobreza, produção industrial travada.
Apesar de medidas como a lei de interrupção voluntária da gravidez, o reconhecimento da identidade não-binária, a cota de trabalho para pessoas trans, o imposto às grandes fortunas (ainda com suas ressalvas por ter em um de seus pilares o investimento na exploração do jazido Vaca Muerta, baseada no método do fracking), o resultado das urnas parece refletir a memória recente de duas situações-chave que se tornaram escândalos nacionais.
Primeiro, o caso que ficou conhecido como “vacinação VIP”. O incidente culminou na demissão do ministro da Saúde, Ginés González, que imunizava conhecidos e poderosos fora do sistema de saúde e na sede do próprio Ministério. Em segundo lugar, e mais recentemente, a foto que veio à luz de uma comemoração de aniversário da namorada do presidente, Fabiola Yáñez, na casa presidencial, em Olivos.
“O voto em branco, o voto em Milei e a esses que se chamam libertários, todos os votos que a direita colheu foram plantados também nessa desconexão produzida pela pandemia“, apontou a jornalista e co-fundadora do Ni Una Menos, Marta Dillon, questionando os efeitos da publicação da foto do aniversário em Olivos. “Essa exibição do individualismo a todo custo é uma operação midiática e política que expõe a capacidade de dano da oposição“, escreveu em sua coluna no Página 12.
Além disso, desde o início da pandemia, outro elemento da cena política da Argentina foram as campanhas impulsionadas pela direita contra as medidas sanitárias tomadas para enfrentar a covid-19. A contrariedade com o confinamento durante a quarentena resultou em cenas insólitas de queima de máscaras em público e cartazes que reivindicavam o “direito individual a contagiar-se”.
A direita ainda pode contar com uma cobertura favorável dos meios de comunicação e os ataques da família Bolsonaro contra o governo peronista da Argentina.
Esse caldo de cultivo foi cozinhado aos poucos, com um presidente que não conta com a maioria no Congresso e, apesar das conquistas, viu-se obrigado a voltar atrás, constantemente, em investidas mais radicais.
Cenário nacional para o peronismo
“Evidentemente, cometemos erros que não deveríamos ter cometido, e dos erros aprendemos“, discursou Alberto Fernández para uma plateia impactada. “Também está claro que há uma demanda que não pudemos atender de forma adequada.”
Após a derrota em províncias menos esperadas que outras, como Santa Fé, Chaco, Chubut e Santa Cruz, província da vice-presidenta Cristina Kirchner, a fala do presidente resume o efeito que perdurou durante esta segunda-feira (13). Como afirmou a candidata pela província, Victoria Tolosa Paz, “foi uma bofetada”.
O jornalista Andrés Fidanza, do canal IP, lançou uma pergunta-chave: “O JxC ganhou ou o FdT perdeu? Bom, acredito que um pouco das duas coisas, mas, claramente, houve um ‘voto castigo’ ao governo.”
Nesta segunda-feira (13), o presidente esteve presente na Casa Rosada, mostrando a continuidade das atividades oficiais, sem mencionar a derrota de ontem. O chefe de gabinete, Santiago Cafiero, foi o único que falou sobre o assunto, reafirmando em entrevista a necessidade de trabalhar nesses dois meses até a eleição legislativa de novembro.
No entanto, Cafiero pode estar de saída do governo. A troca do chefe de gabinete seria uma demanda do entorno do presidente, e até da vice-presidenta. Até o momento, Fernández tem sido resistente a mexer na composição de sua equipe e não aponta para a saída de Cafiero.