Bolsonarista que agrediu repórter não foi preso e ainda recebeu carona da PM
PM não prendeu, inventou desculpa e ainda deu carona a bolsonarista que agrediu repórter. Coronel da reserva admite que caso pode ser considerado como 'proteção ao agressor'
Gil Luiz Mendes, Ponte
Na segunda semana deste mês, ao cobrir um evento em Aparecida (SP), um repórter da GloboNews foi agredido por um apoiador do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido). Os policiais se negaram a prender o agressor, citando uma norma da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP). Depois, registraram a agressão como briga e ainda, segundo o colega que acompanhou o agredido, levaram para casa o agressor.
O ataque aconteceu na tarde da terça-feira (12), na Basílica de Nossa Senhora Aparecida, que recebia a visita de Bolsonaro. O cinegrafista Leandro Matozo levou uma cabeçada no nariz de um homem na multidão.
Segundo o repórter Victor Ferreira, que fazia a cobertura com Matozo, os PMs se negaram a prender o agressor.
“Registramos uma ocorrência na PM, que não quis conduzir o agressor para a delegacia para não ‘prender a viatura’ no DP, alegando uma tal resolução 150. O agressor foi liberado antes mesmo que nós e ainda pegou carona no carro da PM para voltar ao santuário”, relatou o jornalista no Twitter.
Já fiz denúncias graves e cobri tragédias com o @umdiadematozo.
Hoje, no que deveria ser uma cobertura mais tranquila, dentro do Santuário de Aparecida, um apoiador de Bolsonaro nos abordou para insultar e deu uma cabeçada no meu amigo Matozo, rep. cinematográfico. Resultado 👇🏼 pic.twitter.com/shhMtSh54d— Victor Ferreira 🇧🇷 (@VictorFerreira) October 13, 2021
Resolução não relacionada
A resolução 150 citada pelos policiais existe. Mas não tem absolutamente qualquer relação com condução de ocorrências para delegacias. Ela autoriza a Polícia Civil a receber doações de bens feitas por pessoas físicas.
Essa resolução foi aplicada pela última vez há 16 anos e publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo no dia 4 de junho de 2005, para aquisição de uma impressora jato de tinta.
Segundo o registro feito pelos PMs através do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom), não houve uma agressão unilateral, mas uma troca entre os indivíduos.
“Policiais militares foram acionados, via Copom, para atendimento de ocorrência de desinteligência. Pelo local, localizaram Leandro que informou ter se desentendido com Gustavo e ambos se agrediram mutuamente. Leandro, que informou ser funcionário da Rede Globo de Televisão trabalhando na cobertura do evento na basílica, foi ferido no nariz, mas se negou a ser socorrido. Ocorrência registrada em BO/PM e elaborado NOC a respeito e cientificando o DP”, diz a mensagem a qual a Ponte teve acesso.
A reportagem ouviu três policiais militares de diferentes patentes.
Um deles, que não quis se identificar, afirmou desconhecer a norma 150 e não poder comentar sobre o caso.
O segundo foi incisivo: “Desinteligência é uma discussão boba”, afirmou. “Mas a partir do momento que há lesão, é obrigatória a condução ao DP. É um crime de ação pública incondicionada. A primeira pergunta é: quem ligou 190 pra chamar a PM? A segunda é: agressão mútua e só um machucado? E a terceira que diabos é essa tal resolução 150?”
Segundo o policial, na verdade outra norma da SSP poderia ser citada: a 57, de 2015, que trata da condução em casos como o que os policiais consideraram briga. A norma diz que policiais podem notificar os envolvidos e dizer para se apresentarem na delegacia, mas que deve prestar auxílio se há risco a uma parte – o que ele considera haver.
E também, segundo ele, esse é um caso especial: “Existem ocorrências graves, ocorrências de vulto e ocorrências de repercussão”, afirma. “Esses três tipos de ocorrência não podem ser resolvidas no local. Mas o que é uma ocorrência de repercussão? Como o próprio nome já diz é a que pode ter ampla divulgação na imprensa. Então o policial precisa entender que a ocorrência envolveu autoridades políticas, jurídicas, ministério público, Forças Armadas, Forças Policiais e profissionais de imprensa não pode tratar como ocorrência simples que se resolve no local. Essa repercussão toda só aconteceu por não terem conduzido as partes ao DP.”
O coronel da reserva da PM e ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho foi um dos que responderam. Perguntado sobre se isso pode ser considerado proteção ao agressor, afirmou: “Pode ser”, frisando que não dispõe de informações suficientes. E lembrou as condições em que a condução deveria ocorrer. “O policial militar pode transportar pessoas por vários motivos. Seu trabalho não está vinculado, muito menos subordinado, aos dos policiais civis e delegacias. A condução para a delegacia é estritamente em caso criminal.”
Agressão política
Leandro Matozo e Victor Ferreira estavam fazendo a cobertura do feriado de Nossa Senhora Aparecida no santuário que leva o nome da padroeira do Brasil. No final da tarde começaram a ser atacados pelo professor Gustavo Milsoni, que teria ameaçado de morte os jornalistas.
“No final da tarde, nossa equipe decidiu gravar na parte externa da igreja, quando fomos surpreendidos por um apoiador do Presidente Bolsonaro. Ele nos abordou com xingamentos contra a TV e não parou. Em um determinado momento, disse: SE PUDESSE MATARIA VOCÊS”, relatou Matozo em seu Twitter.
“Após essa ameaça, meu parceiro Victor Ferreira gritou para os policiais que estavam próximos. O agressor continuou me insultando e, em seguida, deu uma cabeçada no meu rosto. Meu nariz sangrou muito na hora”, detalhou o cinegrafista.
No final da tarde, nossa equipe decidiu gravar na parte externa da igreja, quando fomos surpreendidos por um apoiador do Presidente Bolsonaro. Ele nos abordou com xingamentos contra a TV e não parou. Em um determinado momento, disse: SE PUDESSE MATARIA VOCÊS”.
— umdiadematozo (@umdiadematozo) October 13, 2021
De acordo com o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, o homem que teria agredido a equipe de reportagem da GloboNews chama-se Gustavo Milsoni e trabalha como professor na Escola Estadual Cid Boucault, em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. O sindicato publicou uma nota de repúdio ao ataque em suas redes sociais e cobrou uma posição do governador João Doria (PSDB).