Apesar das provas que apontaram para o estupro de Mari Ferrer, empresário acusado foi absolvido em uma audiência hedionda, em que o advogado culpou a vítima pelo crime. Desembargadores de SC confirmaram a sentença nesta quinta. Caso pode chegar ao STJ e STF
Camila Brandalise e Mariana Gonzalez, Universa
Na tarde de quinta-feira (7), o Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu pela absolvição de André de Camargo Aranha, empresário de 44 anos investigado por ter praticado estupro de vulnerável contra a influenciadora Mari Ferrer, de 25, durante uma festa em uma casa noturna de Florianópolis em 2018.
Para advogadas especialistas em direitos da mulher ouvidas por Universa, a decisão unânime dos desembargadores Ana Lia Carneiro, Ariovaldo da Silva e Paulo Sartorato, que analisaram o recurso, é um “absurdo jurídico” e foi pautada pelo machismo judiciário.
“Essa sentença é uma vergonha. Para mim, é um absurdo jurídico tendo em vista as provas apresentadas. Essa foi mais uma demonstração do patriarcado cruel que esmaga os direitos da vítima mulher. Espero que os tribunais superiores modifiquem a decisão“, afirma Luiza Nagib Eluf, procuradora aposentada do Ministério Público de São Paulo, que atualmente é advogada de cinco vítimas do médium João de Deus.
André Aranha já tinha sido absolvido em primeira instância, em setembro de 2020, em decisão do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis (SC). Na ocasião, o caso ganhou notoriedade depois que passou a circular nas redes sociais um vídeo em que Mari chora e implora por respeito enquanto é insultada pelo juiz e pelo advogado de André Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho.
Em um dos trechos, Gastão diz que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mari e a repreende: “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo“. Em outro, acusa a jovem de manipular os fatos do processo.
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A defesa de Ferrer entrou com pedido para a revisão da sentença em primeira instância e o caso foi levado à segunda instância, julgado na quinta-feira (7). Se os advogados de Mari Ferrer decidirem recorrer novamente, o caso vai ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Machismo na análise das provas
“Houve violência institucional na primeira instância. Agora, o que pode ter acontecido de novo é uma forma patriarcal e machista de analisar o que existe nos autos do processo, porque não me parece que faltam provas [de que o estupro aconteceu]“, fala Soraia Mendes, advogada criminalista e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
Ela explica que, apesar de existirem leis que protegem a palavra da vítima em casos de violência sexual e terem sido apresentadas provas como o DNA do sêmen encontrado no corpo dela durante exame de corpo de delito e o rompimento de seu hímen horas antes, “ainda há uma forma machista de analisar provas e de entender que, de alguma maneira, teria havido consentimento por parte da vítima“.
“O fato é que houve conjunção carnal. Tinha sêmen na roupa dela, houve rompimento do hímen, porque ela era virgem, e ela não lembrava o que aconteceu. O simples fato de ela relatar que não lembra, que não estava consciente, já era motivo para ele não ter se aproximado“, frisa a advogada e professora.
Ela continua: “Quando André diz, em seu depoimento de defesa, ‘achei que ela queria’, ele já está colocando em dúvida o consentimento. Não tem que achar, tem que ter certeza do consentimento antes de levar adiante qualquer ato sexual“.
O exame toxicológico realizado em Mari não constatou o consumo de álcool e drogas, mas a defesa da jovem diz que não foi descartada a possibilidade de uso de outras substâncias como ketamina.
Segundo o Código Penal, praticar qualquer ato sexual com uma pessoa embriagada, drogada ou inconsciente configura estupro de vulnerável, porque a lei considera que, nestas condições, a vítima não é capaz de consentir.
Lei Mari Ferrer
Se existe ao menos um ponto positivo para as mulheres no caso, afirma a advogada Alice Bianchini, é a criação do projeto de lei 5096/20, conhecida como Lei Mari Ferrer, que protege a mulher vítima de violência de ser submetida a situações vexatórias também dentro do sistema de Justiça.
“É uma ferramenta importante para evitar que outras mulheres venham a passar pela mesma situação”, afirma Bianchini, Vice-Presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, especialista em direitos das mulheres e coautora do livro “Crimes Contra Mulheres: Lei Maria da Penha, Crimes Sexuais e Feminicídio“.
Outro lado
O advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, que defende André de Camargo Aranha, disse, em nota enviada por seu escritório, que está “aliviado pelo esclarecimento dos fatos” e que “a Justiça fez seu trabalho, mesmo diante de ataques e fake news“.
“A Justiça, que é uma ciência, prevaleceu. André é inocente porque ele não fez o que foi acusado de fazer. Quem disse isso foi a medicina legal, a ciência, a biologia humana. A ciência forense, os agentes da lei, as imagens, os médicos, os peritos. André é inocente e foi acusado de um crime que não cometeu“, disse o advogado de defesa.
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