4 anos depois, reforma trabalhista de Temer deixou o brasileiro mais pobre
Apoiada pelo mercado e por toda a grande imprensa nacional, reforma trabalhista do governo Temer completa 4 anos sem gerar o 'boom' de empregos prometido. Trabalhadores informais representam hoje 40% dos ocupados e oscilação na renda empobrece o brasileiro
Quase quatro anos —e uma pandemia— depois de a reforma trabalhista do governo Michel Temer entrar em vigor, o “boom” de empregos prometido não se concretizou. Na época, o governo chegou a falar em dois milhões de vagas em dois anos, e seis milhões em dez anos.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o desemprego hoje está maior. No trimestre terminado em julho de 2021, a taxa de desocupação ficou em 13,7%. Esse número é quase dois pontos percentuais a mais que os 11,8% registrados no último trimestre de 2017. No período, o total de desempregados subiu de 12,3 milhões para 14,1 milhões.
O governo Jair Bolsonaro (sem partido) já tentou duas vezes aprovar uma nova reforma trabalhista, mas foi barrado no Congresso. Na tentativa mais recente, propôs a criação de modalidades de trabalho sem carteira assinada e sem férias, 13º salário e FGTS.
O texto da reforma foi sancionado por Temer em julho de 2017 e entrou em vigor em novembro, mudando regras sobre férias, jornada de trabalho, contribuição sindical, dentre outras.
O próprio Temer já chegou a reconhecer, no ano passado, que seus ministros superestimaram os números de geração de emprego na propaganda que embasou a reforma trabalhista de seu governo.
“Quero concordar com a sua afirmação […] de que os nossos ministros [da Fazenda, Henrique] Meirelles e [do Trabalho] Ronaldo Nogueira exageraram nas suas previsões“, disse, em um evento no Paraná.
Por que a nova legislação, que trouxe mais flexibilidade para os empregadores na hora de contratar e demitir, não foi capaz de aumentar os postos de trabalho?
Alguns especialistas ouvidos pelo Uol avaliam que, para o emprego deslanchar, precisa haver uma melhora da situação econômica e dos investimentos, e não a extinção ou redução de direitos trabalhistas. Outros, por outro lado, defendem as duas coisas para a geração de emprego: crescimento da economia e flexibilização da legislação trabalhista.
Informalidade aumentou
Além do aumento de empregos, uma das promessas do governo Temer era reduzir a informalidade, o que também não aconteceu.
Conforme o IBGE, no trimestre encerrado em outubro de 2017, antes das novas regras, a taxa de informalidade era de 40,5%. Entre maio e julho de 2021, a proporção de pessoas ocupadas trabalhando na informalidade ficou em 40,8%.
A taxa de informalidade considera:
↗ Empregado no setor privado sem carteira de trabalho assinada;
↗ Empregado doméstico sem carteira de trabalho assinada;
↗ Empregador sem registro no CNPJ;
↗ Trabalhador por conta própria sem registro no CNPJ;
↗ Trabalhador familiar auxiliar.
↗ ‘Empresa não deixa de contratar por causa de direitos’
“O que precisa, de fato, é uma reforma tributária, investimento nas pequenas e médias empresas, que são as que mais contratam trabalhadores“, afirma a advogada Fabíola Marques, doutora em direito do trabalho e professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Um levantamento feito pelo Sebrae mostra que, dos 372,2 mil postos de trabalho criados em agosto, os pequenos negócios foram responsáveis por 265,1 mil. Isso representa sete em cada dez postos de trabalho.
“O empregador não deixa de contratar uma pessoa porque ela tem direitos demais. A grande dificuldade é a economia, o investimento” – Fabíola Marques, professora da PUC-SP.
“Assistimos a um aumento nada significativo em relação ao que tinha sido apresentado como números possíveis de abertura de novas vagas. E testemunhamos um processo de precarização dos postos de trabalho formais e aumento do número de trabalhadores informais“, diz Alessandra Benedito, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito SP.
Trabalho por hora e ‘imposto’ sindical
Ela destaca negativamente a criação da modalidade de trabalho intermitente, que, na visão dela, não dá segurança jurídica aos trabalhadores.
No contrato intermitente, o empregado contratado presta serviço somente quando é chamado pela empresa e recebe apenas pelas horas trabalhadas. Ele também pode firmar contrato com mais de uma empresa ao mesmo tempo.
Benedito também entende que os trabalhadores saíram prejudicados, com a regra de se valorizar a negociação direta entre empregados e empregadores, ao mesmo tempo em que houve o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. A reforma estabeleceu que o acordado se sobrepõe ao legislado, ou seja, que acordos firmados entre trabalhadores e empresas valem mais que a lei.
Em 2018, no primeiro ano cheio com as novas regras da reforma, a arrecadação da contribuição por sindicatos de trabalhadores caiu mais de 90%.
“Olhando para trás, essa coisa de colocar empregador e empregado em pé de igualdade já não dava certo. E nesse momento que vivemos, de múltiplas crises interseccionais agindo sobre a vida das pessoas, a possibilidade de um diálogo aberto [entre eles] se torna cada vez pior, com o número de desempregados que a gente tem“, diz Benedito.
Marques, da PUC-SP, também diz que a reforma reduziu o acesso das pessoas à Justiça do Trabalho, porque quem perde a ação, mesmo sendo beneficiário da Justiça gratuita, é obrigado a pagar honorários para os advogados da parte vencedora.
Em 2020, a Justiça do Trabalho recebeu 2.867.673 processos, uma queda de 27,7% em relação a 2017. Conforme série histórica do TST (Tribunal Superior do Trabalho), iniciada em 1970, o maior registro de ações trabalhistas aconteceu em 2017, com 3.965.563 processos.
Veja a evolução das ações recebidas na Justiça trabalhista desde a reforma:
2017: 3.965.563
2018: 3.222.252
2019: 3.402.392
2020: 2.867.673
2021 (até setembro): 1.885.620
‘Mercado flexível facilita emprego, mas não basta’
O professor do Insper Alexandre Chaia defende a flexibilização das regras trabalhistas feita pela reforma, mas diz que a lei hoje ainda “engessa” o mercado de trabalho, por causa dos modelos de contrato e prazos para demissão e contratação.
“O mercado mais flexível facilita a geração de emprego. Agora, para isso, o país também tem que estar com a economia aquecida. Com ou sem direito, vai ter geração de trabalho se houver demanda por pessoas” – Alexandrea Chaia, professor do Insper.
Ele diz que a proposta do governo Temer era flexibilizar o setor de trabalho enquanto incentivava, via teto de gastos, os investidores internacionais a virem para o Brasil, com a retomada de investimento mais mais robusto. O teto de gastos é uma Emenda Constitucional que congela os gastos públicos por 20 anos.
Chaia afirma que o plano não se concretizou nos anos seguintes à reforma por diversos fatores políticos e econômicos, nacionais e internacionais.
“Não tem crescimento no Brasil. Os empresários não estão investindo, as fábricas estão fechando“, diz.
Como exemplo de que a economia vai mal e há desinteresse de investidores e empresas no Brasil, o professor cita o fim das atividades de multinacionais no Brasil, como Ford, Mercedes e Sony.
A reportagem procurou Michel Temer para pedir um posicionamento sobre as críticas, mas a assessoria do ex-presidente disse que só responderia em novembro.
Emprego informal dobra e ‘ioiô’ na renda empobrece brasileiro
O ritmo na criação de empregos informais dobrou no Brasil em cinco anos e tem sido a principal marca da medíocre recuperação econômica desde 2017. De um total de 89 milhões de ocupados, 36,3 milhões são informais, segundo o IBGE.
Eles representam hoje 4 em cada 10 ocupados. Em 2019, antes da pandemia, o Brasil já gerava vagas informais a um ritmo três vezes maior do que as formais. Depois de sofrer com o isolamento social em 2020, a informalidade acelerou de novo neste ano.
Sem nenhuma proteção trabalhista, são informais os sem carteira (no setor privado e doméstico) e os sem CNPJ (empregadores ou empregados por conta própria).
Nos últimos anos, milhões de brasileiros que estudaram mais visando aumentar a renda acabaram na informalidade, subutilizados ou desempregados. Apesar do aumento de 27% nos anos de estudo na metade mais pobre do país, sua renda caiu 26,2% em dez anos, segundo a FGV Social.
Quase 32 milhões de brasileiros trabalham menos do que gostariam ou estão desocupados
Os desempregados equivalem à população combinada de São Paulo e Curitiba (14,1 milhões). Entre eles, há quase 4 milhões que não encontram oportunidades há mais de dois anos —o dobro em relação ao início de 2016.
Nesse caso, o prognóstico é muito negativo para o aumento da produtividade da economia via capital humano, pois esses trabalhadores tendem a se desatualizar e ter dificuldades de readaptação à frente.
Embora a economia deva recuperar neste ano o terreno perdido em 2020, o emprego informal deve seguir predominando, pois não haverá crescimento adicional significativo.
O Brasil registra desde 2014 recorrentes déficits primários, com as despesas do governo federal ultrapassando as receitas (sem contar juros). Isso levou ao abrupto aumento da dívida pública (hoje 82,7% do PIB) e a forte retração empresarial. Desde 2015, o PIB cresce pouco ou encolhe.
Nos anos 2000, quando havia superávits para controlar a dívida, a economia cresceu 3,7%, em média —com recordes na formalização de empregos.
Hoje, no entanto, a ocupação avança mais em setores tipicamente informais e pior remunerados —como construção, agricultura e serviços domésticos, além dos conta própria sem CNPJ. E quanto mais pobre o trabalhador, maior sua prevalência na informalidade.
Dificultando a aceleração da economia por serem menos produtivas, as vagas informais expõem cada vez mais trabalhadores a um entra e sai do mercado, com altos e baixos na renda entre períodos de atividade e desocupação —numa espécie de “ioiô” que alterna trabalhos mal remunerados e pobreza.
Segundo especialistas, o aumento da informalidade —que pode vir a se tornar estrutural com as transformações no mercado, a “economia dos aplicativos” e o baixo crescimento— exige políticas de proteção a essa parcela da força de trabalho.
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Os programas de auxílio a desempregados cobrem apenas trabalhadores formais, que têm direito ao seguro desemprego e ao FGTS. Mesmo os pior remunerados (até dois salários mínimos) recebem um abono salarial equivalente a até um salário mínimo por ano; e podem se aposentar pelo INSS.
Entre os informais, com a exceção dos meses de pandemia em 2020 e 2021, quando receberam parcelas decrescentes (em valor e total de beneficiários) do auxílio emergencial, inexiste rede de proteção aos que trabalham e perdem renda abruptamente.
Em 2020, quando o PIB encolheu 4,1% e a renda dos informais despencou 16,5%, eles puderam contar com o auxílio emergencial. Na recessão de 2015-2016, não houve proteção, apesar de o PIB ter encolhido 7,2%.
Naquele biênio recessivo, a taxa de pobreza extrema (renda domiciliar per capita inferior a R$ 261/mês, segundo critério da FGV Social) chegou aos dois dígitos e é hoje a maior em uma década (13%, ou 27,4 milhões de pessoas; equivalente a quase uma Venezuela).
“Nos últimos episódios de volatilidade, que têm sido a característica da economia, muitos dos informais de baixa renda acabaram escorregando para a miséria. São crises temporárias que têm causado cicatrizes permanentes”, diz Fernando Veloso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
O economista afirma que esse cenário de volatilidade recorrente e aumento das ocupações sem carteira provoca “vulnerabilidade estrutural” entre os informais —e requer medidas para protegê-los.
“O mundo e o Brasil estão migrando para o trabalho informal. No caso brasileiro, infelizmente, muitos desses trabalhadores mais pobres estão se tornando miseráveis.”
No segundo trimestre de 2021, a proporção de domicílios sem renda do trabalho foi estimada em 28,5% —quase três em cada dez. Isso significa que 46 milhões de pessoas viviam em residências sem dinheiro obtido por meio de atividades profissionais, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
No final de 2019, antes da pandemia, a proporção era menor, de 23,5%, o equivalente a 36,5 milhões.
Isaac de Oliveira, Uol e Fernando Canzian, FolhaPress