Anderson Pires*
Para muitos pode parecer ficção, mas o filme Marighella é história do Brasil. Não faz 40 anos que a ditadura militar brasileira acabou. O Golpe instalado em 1964 teve seu fim em 1985. Foram 21 anos de privação da democracia, supressão de direitos e muita violência praticada pelos militares e setores das Polícias Civis. Todo um aparato de repressão foi montado para promover perseguições, torturas e mortes de quem representasse algum perigo ao regime militar.
O filme de Wagner Moura retrata parte da vida de Carlos Marighella. Além do valor artístico, cumpre o papel de popularizar o que foi a ditadura militar brasileira. É verdade que não é possível retratar todos os aspectos desse período. Certamente, muitas questões serão suscitadas a partir do recorte que foi feito.
O mais importante é que o filme faz lembrar o lado perverso e desumano que tomou conta do Brasil por mais de duas décadas. A ditadura não serviu a nada de nobre ou patriótico. Sua função foi defender interesses dos Estados Unidos, que tinha ingerência direta sobre as decisões tomadas pelos militares.
Ao contrário de combaterem a “ameaça comunista”, estavam a serviço da promoção dos piores interesses capitalistas. Ampliaram a desigualdade, entregaram o controle do patrimônio nacional e promoveram o endividamento externo para deixar o Brasil completamente a mercê dos americanos do Norte.
Para tanto, precisavam calar qualquer voz que denunciasse os absurdos praticados. Transformaram o Brasil num grande palco de tortura e repressão. Direitos básicos em qualquer estado democrático foram abolidos como parte da forma de conter os divergentes. As manifestações artísticas e culturais passaram a receber censura de forma completamente insana, baseada na moral de agentes do estado que eram capazes de criar inimigos onde, muitas vezes, não existia qualquer correlação com atividades de resistência à ditadura.
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Muita gente foi morta, torturada e desaparecida. Mutilaram uma geração e impuseram o medo como política de estado. A reação veio majoritariamente da juventude e de velhos líderes de esquerda como Carlos Marighella. Foram guiados pelo idealismo de quem tinha coragem de colocar a vida em risco para defender direitos que deveriam ser universais.
A utopia de uma sociedade justa e democrática foram os principais motivadores. Mas a simbologia de Marighella, um velho comunista, que teve sua militância iniciada ainda na Era Vargas e que atravessou diversos períodos obscuros da história do Brasil, servia como exemplo de que a luta era a própria vida.
O Brasil padece desse obscurantismo da ditadura até hoje. Tanto é assim que um representante desse período nefasto é hoje presidente do país e desdenha de todas as violências que foram praticadas no regime militar. O Presidente Capitão Bolsonaro é o reflexo mais nítido do quão aceso estão os valores que serviram de base para a tortura, a quebra da democracia e a promoção da desigualdade como política de governo.
Os mesmos militares que resolveram condenar o Brasil em 1964 estão vivos no Governo Brasileiro. Foram eleitos em 2018 com mesmo discurso de combate a corrupção e o comunismo, além de falsas bandeiras, como a ideologia de gênero e valores fascistas, muitas vezes, propagados dentro de igrejas e grupos privilegiados economicamente.
Lembrar da luta de Marighella e milhares de jovens que combateram a ditadura é o principal mérito do filme. Não é um roteiro inventado. É a verdade mostrada num momento mais que necessário. É um resgate que não pode ser minimizado. Porque não podemos ser permissivos quando questões humanitárias estão em jogo.
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Está claro que, assim como na ditadura, o Governo Bolsonaro não tem respeito pela democracia, os direitos fundamentais e a vida. Sua postura belicosa, cheia de preconceitos e de profundo desprezo pelos mais pobres, já matou muito mais que a ditadura, seja por fome, homofobia ou covid.
Marighella volta para ascender a indignação: “Não tenho tempo de ter medo”. Deixa a mensagem que não podemos cogitar a volta das práticas comuns no regime militar. Nos faz imaginar no lugar daqueles que enfrentaram a ditadura. Provoca quem acredita em ideais democráticos a defendê-los de forma intransigente. Escancara o entreguismo que os militares promoveram e que hoje está tão em voga. E conclui: a vida tem que ser livre e digna.
“São cruzes sem nomes, sem corpos, sem datas.
Memória de um tempo onde lutar por seu direito
É um defeito que mata”
Gonzaguinha – trilha do filme Marighella
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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