A menos de um ano das eleições presidenciais de 2022, somente um candidato se declara negro
(Imagem: Gabriela Korossy | ABr)
Caroline Oliveira, Brasil de Fato
A menos de um ao das eleições de 2022, apenas um candidato negro – segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pardos e pretos – se lançou na corrida presidencial, diante de pelo menos outros possíveis seis nomes de postulantes brancos em torno da disputa.
Declarando-se negro, Cabo Daciolo se filiou ao partido Brasil 35 e anunciou a sua pré-candidatura, no fim de outubro. Brancos, os nomes de Bolsonaro, Lula, João Doria, Sergio Moro, Ciro Gomes e Felipe Dávila também estão em torno da competição no próximo pleito.
Candidaturas negras alinhadas ao movimento
Vozes do movimento negro brasileiro alertam que novas candidaturas negras precisam surgir, mas devem estar alinhadas às pautas das mobilizações. Marcelle Dechoté, coordenadora da área de Incidência do Instituto Marielle Franco, afirma que o país precisa de uma agenda programática feita por pessoas negras e para pessoas negras:
“A gente precisa de política que realmente avance e combata a desigualdade e as políticas do Capital, para que a gente consiga não apenas sobreviver, mas ter dignidade”.
Nesse sentido, historicamente, afirma Dechoté, os setores progressistas da sociedade estão alinhados a um “projeto de Estado popular, liderado pelo povo”, e “não a capital, lucro e propriedade”.
“A história da esquerda traz a história dos trabalhadores e das trabalhadoras. É nesse processo que está por trás o quanto dessa agenda está dentro da esquerda, porque, teoricamente, é dentro da esquerda que você tem os compromissos teórico e político alinhados ao combate ao capital, o combate à exploração do trabalhador”, afirma Dechoté.
Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Dechoté afirma que há pouca representação principalmente quando se trata da disputa do Executivo. No Instituto Marielle Franco, há um projeto para fortalecer lideranças coletivas de mulheres negras para 2022, com o objetivo de fomentar maior competitividade dessas mulheres na esfera da política institucional.
“A gente quer candidatos alinhados, com negros por trás disputando essa agenda.” Para Dechoté, “é a luta para estar nos espaços de decisão. Tem aquela frase famosa: ‘Nada de nós sem nós’. Ninguém pode mais hoje falar sobre nós sem a nossa participação. Essa é a nossa demanda”. [Continua após o vídeo.]
Esquerda branca e racismo institucional
O movimento negro também denuncia o racismo institucional e pressiona os partidos políticos a centralizarem a pauta racial como um fator estruturante de todas as outras. Entretanto, mesmo as siglas de esquerda são majoritariamente brancas, observam.
Em janeiro do ano passado, a ativista Winnie Bueno desfiliou-se do PSOL acusando a sigla de racismo. Na ocasião, ela publicou uma carta aberta com os motivos da desfiliação. “A estrutura do nosso partido é uma demonstração bastante concreta do racismo institucional. Há o mínimo de paridade de gênero em nossas direções e executivas, o que é um avanço importante, entretanto o mesmo não se dá no que diz respeito ao número de negros e negras nessas instâncias”, escreveu Bueno.
Em setembro deste ano, Wesley Teixeira, candidato a vereador pelo PSOL em 2020, no município de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, também se desfiliou do partido. Três dias depois, Douglas Belchior, candidato a deputado federal em 2018, fez o mesmo. Como justificativa, ambos também acusaram o partido de racismo.
“Eu acho que o conjunto dos partidos são racistas. Hoje, não temos um partido negro no Brasil. Pelo contrário, os negros e negras se organizam através de seus movimentos, que é para justamente pressionar para que esses partidos melhorem”, afirmou Teixeira, ao Brasil de Fato, na época.
Para Adriana Moreira, integrante da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra por Direitos, os homens que sabem ler e escrever e que são donos de terra, com seus pares, historicamente fizeram política no Brasil. “A classe trabalhadora não faz política, porque não tem terra nem é dona dos meios de produção, quanto menos a população que é descendente de pessoas que foram escravizadas”, afirma Moreira.
O cenário mudou depois do regime militar, quando partidos progressistas, como PSDB, MDB (então PMDB) e até mesmo o PT passaram a aglutinar as demandas populares. Nisso, os movimentos negros se somaram a essa estratégia na esperança do caminho à emancipação da população negra.
No entanto, “essa estratégia também foi coordenada por homens brancos”. “É só gente perceber o que era o PSDB, o PMDB e até o mesmo o PT, majoritariamente partidos de homens e mulheres brancas. A possibilidade de acesso da população negra a espaços de maior representação pública, de manejo de poder, era muito diminuta.”
Hoje, assim como o Instituto Marielle Franco, a Coalizão Negra por Direitos começa a pautar os partidos políticos. Nas próximas eleições, a Coalizão terá candidaturas em partidos “do campo popular, como PT, PSB e PSOL”.
Candidaturas com pauta anti negritude
Adriana Moreira lembra que o PSL – partido que carregou Jair Bolsonaro até a Presidência – conseguiu eleger um número expressivo de pessoas negras no Brasil. Porém, essas “candidaturas foram construídas numa pauta antinegritude, porque elas são investidas de uma ideia de que o Brasil não é racista”.
Para a agenda racista, explica Moreira, é “importante esvaziar a ideia da negritude no Brasil” e naturalizar a relação de subalternidade. “Se a gente conseguiu demonstrar que a sociedade brasileira é racista e criar o constrangimento; por outro lado, foram construídas figuras públicas que trabalham numa agenda antinegritude e na reconstrução de uma paisagem social de naturalização da subordinação negra na sociedade brasileira.”
Coletividades negras
Moreira explica que os espaços de poder precisam ser ocupados por coletividades negras e não por figuras negras individuais, que podem ser dirigidas por coletividades brancas. A coordenadora da Coalizão Negra por Direitos cita como exemplo o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo.
“É só é a imagem negra, mas o que está por trás não é uma representação negra, uma vez que cumpre uma agenda e tem uma metodologia de trabalho que não está ligada aos interesses da negritude. Não tem uma representação daquilo que historicamente a coletividade negra construiu e reivindicou quando foi criada a Fundação Palmares”, afirma Moreira.
Entre seus feitos, Camargo defendeu a mudança no nome da instituição para Fundação Princesa Isabel e retirou alguns nomes brasileiros da lista de personalidades negras, como Elza Soares, Benedita da Silva, Gilberto Gil, Marina Silva, Milton Nascimento e Martinho da Vila.
O presidente da instituição também é contra as cotas raciais. Em seu perfil no Twitter, ele afirmou que “cota racial é uma forma de racismo de Estado”. Também disse que “em 2022, ano de sua revisão, o Brasil terá a oportunidade histórica de abolir o sistema e estender o benefício a todos os estudantes pobres, desde que sejam estudiosos e disciplinados, sem a vergonhosa discriminação por raça”. Na rede, ele se define como “negro de direita, antivitimista, inimigo do politicamente correto, livre”.
Recentemente, Camargo afirmou que “não existe nenhuma dor (angústia) exclusiva e específica dos negros por causa da cor de pele” e que “quem acredita nisso é racista ou um completo imbecil”. A declaração foi uma resposta a uma iniciativa apoiada por artistas e figuras públicas contra a violência policial com o tema “Imagine a dor, adivinhe a cor”.
Alguns dados
Nas eleições de 2018, foram três os nomes de candidatos e candidatas negras: Marina Silva, Vera Lúcia e Cabo Daciolo, que ficaram com 1% dos votos, 0,05% e 1,26%, respectivamente. Como se sabe, Jair Bolsonaro ganhou a disputa. Nas mesmas eleições, somando os cargos de deputado, senador e governador, 47,6% se declararam negros, mas somente 27,9% deles foram eleitos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Somente no Congresso Nacional, apenas 17,8% são negros: 89 de 513 deputados e 17 de 81 senadores. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam para a subrepresentação, visto que 56,2% dos brasileiros são negros, o que, por sua vez, indica para a necessidade de mais candidaturas negras.
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