Guerra de versões entre 'DCM' e 'CartaCapital' causou alvoroço nas redes sobre veracidade da morte da pessoa por trás da conta do 'Coronel Siqueira'. Em novo texto, fundador da conta rebateu, passo a passo, as informações que indicariam seu falecimento e questiona: "A quem interessa armar isso tudo?"
Desde ontem, uma guerra de versões tomou conta das redes sociais após o portal Diário do Centro do Mundo (DCM) noticiar a suposta morte do criador do perfil humorístico Coronel Siqueira, que mantém uma coluna na CartaCapital e tem milhares de seguidores no Twitter.
Originalmente, o DCM divulgou a morte de um homem chamado Sergio Liotte, vítima de pancreatite. O site se baseou no depoimento da viúva de Liotte para afirmar que ele era o criador da conta ‘Coronel Siqueira’. Momentos depois, a CartaCapital e o perfil no Twitter negaram veemente que o fundador da conta havia morrido.
“Essa matéria do DCM é 100% falsa. Não sou e não conheço o cara da foto; Não tenho a menor ideia de por que eles resolveram publicar isso. Não existe uma linha ali que não seja inventada”, disse o perfil no início da noite de segunda-feira (29).
O assunto saiu do controle no Twitter, com um perfil falando ser a filha de Sergio confirmando a morte dele e pedindo respeito para a família. O tema foi aos Trending Topics da rede social, com muitos acusando o DCM de fake news e atacando o repórter que escreveu a nota da morte.
Com a proporção que a história tomou, o DCM abriu uma live às 21h com a participação de Patrícia Liotte, viúva de Sergio e advogada. Segundo ela, o marido abriu o perfil de Coronel Siqueira para outros colaboradores, com o desejo que a página fosse de “multipublicadores”.
“Não teria por que vir aqui falar de um perfil que não pertencesse ao meu marido. Nesse momento de dor, a última coisa que eu gostaria era de estar em uma live, mas para dar coro ao que o DCM está falando eu tive que vir a público”, falou Patrícia.
Durante a live com Patrícia, o DCM anunciou que as contas de Coronel Siqueira não estavam mais disponíveis no Twitter e no Instagram. Patrícia e o DCM deram a entender que o perfil estaria sendo alvo da cobiça de golpistas após o falecimento de Liotte.
Em um outro texto, o O DCM ainda acusou CartaCapital de mentir ao tratar do episódio. “Mais do que mentir, a CartaCapital omitiu informações de conhecimento da redação”, escreveu Kiko Nogueira, editor do DCM. “A CartaCapital foi enganada pelo sujeito que se apossou do Coronel Siqueira? Pode ser. O duro é querer fazer o público de otário e faturar cliques em cima da morte um homem que, sim, eles conheciam”, acrescentou Kiko.
Na internet, a repercussão não parou. “Muita coisa estranha nessa história. Nem enterraram o corpo e já estão participando de live e lutando pelos direitos econômicos de um perfil de algumas centenas de milhares de pessoas. Tem alguém querendo ganhar com o Cel Siqueira. A viúva e o ‘amigo’ que participaram da live do DCM disseram abertamente que querem. Aliás, antes do corpo ‘esfriar’ o amigo já tinha arrumado o negócio para ele ser tocado ‘por um grupo criador de conteúdo’. Se o criador não morreu, a tal viúva, o “amigo da viúva” e o DCM estarão numa encrenca sem tamanho”, escreveu o historiador Fernando Horta.
Sergio Liotte é o criador do Coronel Siqueira?
A polêmica sobre a morte do criador do Coronel Siqueira continuou nesta terça-feira (30), mas um texto publicado há poucas horas no site da CartaCapital pelo criador do perfil parece ter esclarecido a maioria das perguntas sem respostas que cercavam o episódio. O texto será reproduzido integralmente abaixo. Confira:
A QUEM INTERESSA MATAR O CORONEL SIQUEIRA?
[parte 1]
Olá, amigos.
Gostaria de contar-lhes a história do Coronel Siqueira. Pela primeira vez não do ponto de vista do Coronel, mas do autor.
Antes de tudo, sou apenas mais um brasileiro que sofreu e ainda sofre muito com o que está acontecendo em meu país. Desde 2013 estamos num processo de degradação total das instituições, degradação essa que foi coroada com a vitória de Bolsonaro para a presidência.
Poucos anos antes eu tinha me mudado para a Europa. Vivo em um dos países que mais sofreram quando o coronavírus apareceu no ano passado. Tive que amargar alguns meses de lockdown total. O Twitter e as lives eram a forma de me manter conectado ao meu país e ao meu povo, fazer amigos e me manter informado.
Impressionado pela loucura dos bolsominions e por tudo que estava acontecendo, um dia tive a ideia de criar um Twitter satírico. “Siqueira” foi o primeiro nome que me veio à cabeça. Para o nome de Twitter, escolhi “direitasiqueira”, uma homenagem ao “grande” Sérgio Camargo, cujo username é @sergiodireita1.
Usei uma conta que tinha criado em dezembro de 2019, ainda sem seguidores, e comecei a me comunicar com os outros bolsonaristas, mas com muito pouco efeito. Por fim, tive a ideia de colocar o “Coronel” antes do nome, já que eles sempre amaram tanto os militares. Funcionou. Cada absurdo que eu postava era replicado por todos eles.
Comecei a ganhar um monte de seguidores. Quanto mais surreal minha postagem, mais gente vinha. Começou a ficar divertido. O problema é que, ao mesmo tempo que eu comecei a agradar a direita, percebi que o pessoal da esquerda ficava revoltado. Eu defendia o indefensável ali: Monarquia Bolsonarista, um muro entre o Brasil e a Argentina, coroar Trump imperador, essas coisas. Resolvi escrachar e deixar claro que era uma sátira, uma hipérbole dos já hiperbólicos bolsominions. Minha intenção não era incomodar ou fazer a esquerda passar ainda mais raiva.
Foi um pouco mais de um ano de pura alegria e diversão. Fiz vários amigos e pude conversar com um monte de gente que eu admirava desde sempre. Jean Wyllys, Lola, Kléber Mendonça, Cynara, Léo Attuch e tantos outros… Fora a fauna dos outros malucos que estavam ali na mesma situação que eu, dentre os quais eu destaco os amigos Luiz Patriota e Josué Patriota, dois gênios desse humor surrealista que nasceu dos estranhos anos no qual vivemos. Fiz dezenas, centenas de amigos ali, na nossa luta diária para fazer com que o humor apaziguasse pelo menos um tiquinho toda a violência que vínhamos vivendo.
Com o crescimento do Siqueira, não faltaram pedidos de entrevistas, lives e congêneres. Nunca aceitei. Nunca quis mostrar meu rosto ou minha identidade — exatamente porque eu nunca quis fama ou exposição. Quem tinha que aparecer era o Siqueira. Minha função ali era me divertir, e divertir quem entrasse na onda. Eu recebia tantas mensagens de pessoas falando “nossa, cara, você é a única coisa que salva meu dia”, era muito bonito. Não era algo de mão única: muitas vezes o Siqueira e seus amigos foram a única coisa boa do meu dia nesse combo Covid + Bolsonaro que o destino nos trouxe.
A única exceção que abri foi quando a Thaís, editora executiva da CartaCapital, me convidou para assinar uma coluna no site da revista, que fiz com muito gosto e orgulho. Obviamente, nunca cobrei nada nem assinei textos com meu nome real. A ideia, como sempre, era ser uma piada, uma fotografia desse momento louco que estamos vivendo. Se estávamos todos assustados pelo crescimento do fascismo no Brasil e no mundo, pelo menos que estivéssemos juntos. Ninguém solta a mão de ninguém.
[parte 2]
Ontem, do nada, minha mãe me liga, assustada, falando que viu na internet que o criador do Coronel Siqueira morreu. Não entendi. Logo depois ligaram vários parentes e amigos, igualmente assustados. Entrei no Twitter e vi a avalanche criada pela reportagem do DCM. No início, achei que tinha sido uma barrigada deles, que alguém tinha trollado o repórter. Achei estranho ninguém ter tentado entrar em contato com o próprio perfil, o que seria o mais lógico.
Imediatamente mandei um e-mail para a Marília, do DCM, que reproduzo nos anexos abaixo.
Eu fui membro do DCM por meses.
Sempre mandava superchat (em euros, como vocês podem ver).
Para minha surpresa, não tive resposta. Fui conversar com o Fabrício, o autor da matéria. Ao dizer que eu estava vivo e que era o único autor, ele surrealmente me respondeu que não, que ele tinha passado a tarde checando as informações e que, sim, o autor era o tal do Sérgio, que morreu. Ficou insistindo em falar comigo por telefone, ao mesmo tempo que uma jornalista da Fórum entrou em contato pedindo meu CPF.
Eu disse várias vezes que eu era o único autor. A situação foi virando uma mistura de Kafka com Black Mirror. Tinha alguém me acusando de, bem, não ser eu mesmo.
Mais tarde, ainda atordoado pelo que estava acontecendo, vi um pedaço da live do DCM. O que aconteceu ali foi um pouco além dos limites, na minha opinião. Quem acusa é quem deveria provar algo, e não o inverso. No entanto, a turba gritava nervosa coisas como “vem, mostra sua cara, covarde, mostre quem você é”.
Desliguei a live na hora que a moça falou que a foto era de um tio. Ali vi que era realmente tudo uma farsa rocambolesca. A foto do Siqueira foi tirada de um site chamado thispersondoesnotexist.com. Foi criada por Inteligência Artificial. Obviamente não era um tio de ninguém.
Essas foram as possíveis fotos originais que escolhi para ser do Coronel. Foram geradas no site thispersondoesnotexist.com. Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento técnico pode confirmar isso. Acabei ficando com o do meio. Os outros eu postei como irmãos dele, bem no começo da conta.
Acho curioso que o DCM tenha resolvido lutar essa luta de tomar essa conta de mim e dar para outras pessoas cuidarem. Quem quer cuidar da conta do Coronel Siqueira, afinal? E porque tanta energia para tentarem tirar essa conta de mim, que sempre fui o único dono? E quem quer gerenciar a minha conta agora? E por que?
Imediatamente desativei todas as contas. Isso era pra ser uma piada, uma festa entre amigos, não uma acusação maluca sem nenhum tipo de prova exceto “um amigo falecido falou que era ele”. O Coronel era alegria, um alívio nesse mar de concreto que somos obrigados a mastigar todos os dias.
Não sei quem está mentindo nessa história toda. Talvez o Sérgio tenha falado que o Coronel Siqueira era ele para os amigos, não sei. Talvez tenha dito para o Fabrício. Não sei nada sobre esse Sérgio, nem a esposa, nem ninguém mais. Nunca tive contato anterior com o Fabrício. Não moro nem nunca morei em São Paulo nem em Porto Alegre. Essa conta sempre, desde o primeiro dia, foi gerenciada por mim, e somente por mim. Todos os posts foram feitos diretamente da Europa. Nada de São Paulo ou Porto Alegre.
Para finalizar, algumas questões que considero relevantes:
1. Se o Fabrício era amigo do tal Sérgio, que se dizia dono da conta, porque nunca o entrevistou, nunca pediu um texto, nunca o chamou para uma live? Como jornalista do DCM, tenho certeza de que seria excelente para ele uma live exclusiva com seu amigo Sérgio. Por que nunca o fez?
2. Se “várias pessoas” tem acesso à conta do Coronel, porque nenhuma delas acessou e confirmou a história? É bom lembrar que até ontem o Coronel tinha Instagram, Facebook, Linktree, Spotify e Twitter, todos gerenciados por mim.
3. Se o DCM fez uma acusação de “roubo de conta”, o DCM não deveria provar antes de exigir que eu me defendesse? Viramos uma esquerda lavajatista, agora? Eles ficaram exigindo que eu provasse que a conta era minha e que eu não tinha roubado, mas não deveriam ser eles que deveriam provar que roubei algo?
4. Se a foto do Siqueira era do tio da moça que se apresentou, existem mais fotos dele? Uma análise rápida da foto do Siqueira prova que é uma foto gerada por computador. Vejam as fotos.
5. Por que tanto interesse em conseguir o login e a senha do Twitter? Quem quer continuar gerenciando minha conta? Por que o DCM entrou com tanta veemência nessa história? Por que escolheram um lado tão rapidamente? O Kiko, a Marília, o Pedro, a Sara e o Leandro estão cansados de me ver nos chats, superchats do DCM. Por que me atacar como um inimigo de uma hora para outra?
6. Como o próprio DCM deve ter acesso, me tornei membro e mandei todos os superchats da Europa, em Euros. Se eu morasse em SP ou em Porto Alegre, por que o YouTube me cobra em Euros?
7. Eu – o único dono que essa conta já teve – tenho a senha do Twitter, Gmail, ProtonMail, Facebook, Instagram, Linktree e Spotify do Coronel Siqueira. Como que absolutamente ninguém mais, de todos os supostos envolvidos, tem nenhuma dessas senhas? Se o Sr. Sérgio passou o controle para as outras pessoas, porque ninguém mais tem acesso à nenhuma das contas? Seria muito fácil provar que a conta era do Sr. Sérgio caso alguém apresentasse uma prova mais substancial que “um amigo me disse”.
8. Achei estranho que, na noite da morte do marido da suposta viúva, sua principal preocupação fosse ir a uma live de internet falar sobre uma conta de paródia, que supostamente pertencia ao marido dela.
9. De qualquer forma, achei bastante deselegante do repórter submeter uma recém viúva a isso tudo, tão rapidamente. Isso não soa, no mínimo, estranho para vocês também?
Ninguém é obrigado a acreditar em mim, ou na versão do do Fabricio. Mas acho que vale o questionamento. Quem armou isso tudo? Quem está mentindo? Por que esse interesse tão abrupto em controlar uma conta de Twitter? Alguém está mentindo. A verdade vai aparecer. Pode demorar dias, meses ou anos, mas alguém vai se trair e, mais cedo ou mais tarde, o mentiroso vai aparecer. Nesse momento, vocês vão se lembrar desse texto.
Fico triste em deixar o Siqueira para trás. Pode ser que um dia eu volte, mas por hora realmente cansei. O curioso é que eu sempre imaginei que um ataque feroz contra o personagem viria da direita. Curiosamente, veio da esquerda punitivista, viciada em cancelamentos, agindo sempre como matilhas. Ontem fui eleito o inimigo da esquerda. Hoje será outro.
Vocês criticam a direita por questionarem a sexualidade do filho do Super Homem mas questionam a morte de um personagem que nem existe, escutando teorias furadas de alguém que ouviu falar que sei lá quem era o Coronel Siqueira. A boiada passa, Bolsonaro destrói o Brasil e o DCM faz uma live inteira sobre um assunto tão irrelevante. E a internet embarca. Nessas horas eu entendo 2013. Eu entendo o golpe. Eu entendo o Bolsonaro ter sido eleito. A esquerda Brasileira tem muito o que aprender ainda.
Quanto ao DCM, sigo esperando alguma prova de que a conta pertence a esse Sérgio e que eu a roubei, como vocês afirmaram ontem. Mas eu gostaria de uma prova. Não de um rapaz que ouviu falar que sei lá quem falou que era o Coronel Siqueira.
Vou pelo menos dar um tempo desse baixo astral todo que virou essa história. Gostaria de estar com vocês no ano que vem, época de eleições. Vai ser duro e eu tinha piadas ótimas prontas. Mas realmente ontem uma linha foi cruzada. Quem quiser viver no meio de mentiras e baixo astral, que viva. Não sei quem está mentindo nessa história e quem foi inocente de acreditar em quem mentiu. Mas eu tô fora.
Abraços a todos os patriotas de verdade desse País, que somos nós. Foram meses muito divertidos. Muita força em 2022!