Em vídeo, homem desesperado implora por comida em Brasília
Vídeo viraliza na internet e expõe gravidade da insegurança alimentar no país
Pedro Rafael Vilela, Brasil de Fato
Um vídeo postado nas redes sociais, na última terça-feira (2º), mostra um homem implorando por comida, no estacionamento de um prédio residencial na Quadra 106 da Asa Norte, Plano Piloto de Brasília. O momento foi registrado pelo jornalista Carlos Alberto Jr., que postou em sua conta no Twitter.
O vídeo acabou viralizando na internet, alcançando centenas de milhares de pessoas em diferentes plataformas, após ser reproduzido em diferentes contas.
“Essa cena tem se repetido toda semana aqui na quadra. Famílias famintas param embaixo dos blocos e pedem qualquer tipo de ajuda. Esse rapa [sic] se apresenta como Marcos e grita: “É fome!” Eu nunca havia presenciado isso na vida!”, escreveu Carlos Alberto na postagem. No vídeo, é possível ouvir o homem, identificado como Marcos, pedindo desesperadamente por comida: “Alguém compra arroz pra nós, alguém compra um leite? É fome, por favor, é fome”.
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“Brasília está muito complicada. O número de crianças e adolescentes pedintes, vendendo bala em sinal, também aumentou demais! Parece um flashback da minha infância por aqui nos anos 80. Sem contar o número de pessoas acampadas em vários pontos da cidade. Triste demais“, disse uma mulher em resposta à postagem de Carlos Alberto. Em outra interação, uma seguidora lembrou que a situação é nacional.
“Infelizmente é por todo o Brasil, pessoas rasgando lixo e pedindo comida de casa em casa. Gente que não tava acostumado a fazer isso mas perdeu emprego e sem emprego não se paga aluguel. Gente que ficou com sequelas do covid sem trabalhar e sem auxílio, a fome aumenta dia a dia“, escreveu.
A fome no país
Já são mais de 116 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, o que é mais da metade da população. Desse total, 43,4 milhões de pessoas não tinham comida o suficiente e 19 milhões estavam efetivamente passando fome, segundo dados do “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil“, elaborado pela Rede PENSSAN no início deste ano.
A extrema pobreza quase triplicou, passando de 4,5% da população para 12,8%. Com números tão alarmantes, o país, que tinha saído do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) voltou a figurar nesta triste posição.
Situação no DF
Sobre o Distrito Federal, um estudo recente do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) mostrou que o percentual famílias que vivem na pobreza passou de 12,9% para 20,8% da população. Já a extrema pobreza passou de 3,2% para 7,3%. Foi o pior desempenho entre todas as capitais do país. Somados, esses dois grupos formam um contingente de mais de 860 mil pessoas em situação de vulnerabilidade social na capital do país. O Banco Mundial considera que alguém está em situação de pobreza quando tem uma renda de US$ 5,50 por dia (cerca de R$ 28,60). Na extrema pobreza, a renda é de US$ 1,90 por dia (R$ 10,45).
No ano passado, durante a primeira rodada de pagamento do Auxílio Emergencial, quando o valor do benefício pago era de R$ 600, quase 800 mil famílias recebiam no DF. Este ano, o número de beneficiários caiu pela metade e agora, com o fim do programa, cerca 391 mil pessoas podem ficar sem renda mínima na capital do país.
Outro problema é a inflação dos alimentos. Brasília registra o maior aumento da cesta básica de alimentos entre as capitais. De setembro de 2020 a setembro de 2021, no acumulado de 12 meses, o percentual de aumento do produto na capital do país já soma de 38,56%, disparado o maior valor entre 17 capitais pesquisadas pelo Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas (Dieese). Atualmente, o valor médio da cesta de alimentos na capital do país está em R$ 617,65, o sétimo maior valor entre as capitais pesquisadas.
Sofia Anouk, integrante do Projeto Dividir, uma organização não-governamental (ONG) que busca desenvolver uma rede de solidariedade principalmente a população em situação de rua, com doação de alimentos e itens básicos, afirma que a situação vem se agravando cada vez mais desde o início da pandemia.
“Estamos nas ruas diariamente desde o início da pandemia, em março de 2020, e com o passar do tempo a gente foi percebendo um aumento significativo da população de rua. E as famílias que antes não estavam em situação de vulnerabilidade tão intensa, agora estão. Por conta do nível de desemprego, que está muito alto, e também por conta do alto preço das coisas, que não é compatível com a renda das pessoas”, analisa. “Parece uma estratégia de um Estado que quer ignorar, que não se importa, que não quer lidar com esse problema, muito menos resolvê-lo“, acrescenta.