"Menina de 15 anos que tentou matar filho de 4 anos tem conflitos enormes", diz especialista
Adolescente de 15 anos tentou matar o filho de 4 anos, fruto de estupro cometido pelo padrasto quando ela tinha 11 anos. "Ela enxergava o agressor quando via o menino. O sentimento era de tirar tudo da vida dela para que a dor sumisse"
O caso de uma menina de 15 anos que tentou matar o filho de 4 anos foi tratado com bastante cautela pelas autoridades da Paraíba no último mês de outubro.
Segundo a Promotora da Infância Ivete Arruda, a mãe é uma pessoa com conflitos enormes no seu psiquê. “Ela enxergava o agressor quando via o menino. Quando olhou para ele, veio à mente tudo o que ela tinha vivido em relação ao padrasto, as agressões, os estupros, o que ela ouvia da mãe”, avalia Arruda.
“A situação foi um pedido de socorro. É uma bandeira de SOS que ela levanta, por tudo que passou. Ela ama o filho. Ela externou isso diversas vezes, mas o sentimento era de tirar tudo da vida dela para que a dor sumisse”, acrescenta.
“Ela nos narrou que olhou para a criança na cama e veio na mente dela todas as cenas, como num filme, do que ela tinha passado durante os estupros. A dor que ela sentia, a afetação da dor… Ela decidiu tirar aquela dor e tentou acabar com a vida da criança”.
O caso reitera a constatação de que os efeitos dos abusos de crianças deixam marcas por toda a vida. “Trata-se de uma geração de crianças e adolescentes marcada de forma definitiva e que tem as suas oportunidades, que nesse período deveriam ser maximizadas, profundamente prejudicadas.”
“Para além dos efeitos mais visíveis e imediatos desta violência, vítimas da violência sexual com frequência sofrem transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão, ansiedade, transtornos alimentares, distúrbios sexuais e do humor, maior uso ou abuso de álcool e drogas, comprometimento da satisfação com a vida, com o corpo, com a atividade sexual e com relacionamentos interpessoais”, revela o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021.
Entenda o caso
O menino de quatro anos estava com a mãe, que tem 15 anos de idade, no quarto de uma casa de acolhimento onde residem em João Pessoa (PB). A criança foi atacada com uma caneta e precisou ser internada na UTI. As casas de acolhimento são destinadas à pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Após o ataque, a mãe percebeu que o filho estava perdendo forças e começou a gritar por socorro. Os funcionários do abrigo encontraram a criança com o pescoço perfurado e com fios enrolados.
O Ministério Público da Paraíba instaurou um procedimento para apurar se houve falha no acolhimento da criança. De acordo com a portaria de instauração do procedimento, o acompanhamento pode resultar “no ajuizamento de ação no âmbito judicial para tutela de interesse individual indisponível, especialmente suspensão ou destituição do poder familiar e a consequente colocação da criança em família substituta”.
Em seu depoimento, a adolescente narrou sentir amor pela criança, mas também muito ódio pelo agressor. A garota demonstra ainda muita revolta por não ter sido amada pela mãe. “A todo tempo ela demonstra isso na fala, porque a mãe não acreditou no que ela passava e ficou ao lado do agressor”, diz a promotora.
A adolescente deverá responder por tentativa de homicídio. No entanto, a promotoria requereu por intervenção psiquiátrica e psicológica para um acompanhamento com mais atenção.
Juiz se pronuncia
O juiz da Vara da Infância e Juventude de João Pessoa, Adhailton Lacet, ressaltou a trajetória de violações da mãe e da criança e fez um apelo à sociedade para que não façam juízo de valor sobre ela. “Não faça juízo de valor em cima dessa mãe, não vamos taxá-la de assassina e perversa porque ela também sofreu muitas violações enquanto criança”.
A mãe deu à luz ao menino aos 11 anos, em setembro de 2017, após ter sido estuprada pelo padrasto. A gestação só foi descoberta aos cinco meses, por meio de uma ultrassonografia, quando a criança foi levada pela avó para um posto de saúde.
Ainda segundo o juiz Adhailton Lacet, o aborto legal não foi realizado porque a idade gestacional da menina já estava avançada, oferecendo riscos à saúde dela. O juiz também informou que o estuprador chegou a ser condenado e atualmente cumpre pena.
De acordo com as últimas informações médicas, a criança de 4 anos já recebeu alta hospitalar e foi levada pelo Conselho Tutelar. Segundo o Ministério Público, a criança não tem condições de voltar para a avó ou para a mãe e continuará assistida pelo Conselho Tutelar por tempo indeterminado.