Bolsonaro dispensa ajuda humanitária da Argentina para atender população da Bahia, atingida pelas mais fortes chuvas em 32 anos. Foram barrados profissionais argentinos especializados nas áreas de água, saneamento, logística e apoio psicossocial para socorrer moradores baianos. Impedimento tem razões políticas, uma vez que o presidente do país vizinho é de esquerda
O governo Bolsonaro recusou nesta quarta-feira a ajuda humanitária da Argentina para atender a população da Bahia atingida pelo temporal. O país vizinho pretendia enviar profissionais especializados nas áreas de água, saneamento, logística e apoio psicossocial para socorrer moradores baianos afetados pelas fortes chuvas.
Por meio de um documento oficial enviado ao consulado argentino, Ministério das Relações Exteriores dispensou o apoio do país vizinho. Segundo o texto, a situação da Bahia “está sendo enfrentada com a mobilização interna de todos os recursos financeiros e de pessoal necessários”.
O Itamaraty informou ainda que “na hipótese de agravamento da situação, requerendo-se necessidades suplementares de assistência, o Governo brasileiro poderá vir a aceitar a oferta argentina de apoio da Comissão dos Capacetes Brancos, cujos trabalhos são amplamente reconhecidos”.
Mais cedo o governador do Estado, Rui Costa (PT), chegou a agradecer ao governo argentino pela solidariedade e pediu para que o governo brasileiro aceitasse a missão estrangeira.
“Meu agradecimento ao governo argentino pela oferta de ajuda humanitária às vítimas das enchentes na Bahia, em especial ao embaixador Daniel Scioli, ao cônsul-geral na Bahia, Pablo Virasoro, e à presidente da comissão nacional dos Capacetes Brancos, a embaixadora Sabina Frederic”, escreveu o governador” publicou o governador petista nas redes sociais.
Aliados criticam Bolsonaro
A postura de Bolsonaro de manter as férias em Santa Catarina enquanto milhares de pessoas sofrem com inundações na Bahia tem sido alvo de críticas generalizadas, que incluem até aliados do governo. A hashtag “#BolsonaroVagabundo” está nos trending topics do Twitter desde terça-feira.
A avaliação de apoiadores do presidente é de que ele deveria agir o mais rapidamente possível para diminuir os impactos da tragédia e que a presença dele nas áreas atingidas seria um alento para as vítimas, além de uma demonstração de empatia.
A atitude de Bolsonaro deu ainda mais munição a opositores do governo. O líder da minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ), apontou falta de “compaixão” em Bolsonaro. “Não é só omissão e irresponsabilidade, é falta de compaixão e de amor ao próximo. Quase 500 mil pessoas foram afetadas pelas chuvas na Bahia, 20 brasileiros morreram e 77 mil estão desabrigados ou desalojados de suas casas. E onde está o presidente da República?”, questionou.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que “o problema do Brasil não é ideologia, mas, sim, honestidade e competência”. “Bolsonaro me obriga a incluir outro problema: a absoluta falta de respeito e empatia. Só nas ditaduras mais escrotas se viu um governante curtindo férias em meio a uma tragédia nacional”, disparou nas redes sociais.
Segundo especialistas, as imagens de Bolsonaro aproveitando as férias, a despeito da tragédia das inundações, serão munição política contra ele. “É claro que a oposição vai utilizar todas essas imagens e, principalmente, a frase do presidente, quando ele diz: ‘Espero não ter de retornar ao trabalho antes'”, ressaltou o cientista político Valdir Pucci. “Ou seja, o presidente passa a imagem de não estar se importando com nada no país, com nada que vem acontecendo, como crises econômica, social e política, além desta agora, a humanitária, pela qual passa o estado da Bahia. Não existe opositor maior ao governo Bolsonaro do que o próprio presidente.”
André César, sócio da Hold Assessoria Legislativa, lembrou que o desastre natural torna ainda mais catastrófica a crise social vivida no país, agravada pela fome e pela inflação. O especialista destacou que, nas eleições de 1998, a disputa entre Eduardo Azeredo e o ex-presidente Itamar Franco pelo governo de Minas Gerais teve como fator determinante a diferença nas ações após um temporal no estado.
“Houve uma situação parecida com a que acontece, hoje, na Bahia, antes das eleições. O governador de Minas Gerais na época, Eduardo Azeredo, estava de férias e ia disputar a reeleição contra Itamar Franco. O ex-presidente sobrevoou as áreas atingidas, conversou com a população, e isso foi usado na campanha”, comentou. “Pegou muito mal para Azeredo e foi considerado uma das causas da derrota dele para o Itamar naquela eleição. Então, possui valor simbólico, e isso pode ser usado contra o Bolsonaro no próximo pleito.”
Maiores chuvas em 32 anos
Segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), as chuvas na Bahia são as mais fortes dos últimos 32 anos. Itamaraju, no sul da Bahia, foi o município onde mais choveu no Brasil em dezembro deste ano, com 769,8mm de chuva.
Segundo o meteorologista do Inema, Mauro Bernasconi, o acumulado de chuvas tem relação com a formação de “corredores de umidade constantes”, que vêm da Amazônia, atualmente pela Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), que é uma faixa de nuvens que se estende do sul da região amazônica até a área central do Atlântico Sul.