Moisés Mendes*, em seu blog
Descobriram só agora, com a confissão de Jair Bolsonaro, que o sujeito se livrou de servidores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) porque cumpriam a lei e contrariavam interesses de Luciano Hang, o véio da Havan?
Claro que não. Sabiam há muito tempo. Mas sabiam – a imprensa, os políticos e colegas servidores dos demitidos – e deixaram tudo submerso, como se fosse apenas mais uma perseguição em meio a tantas caçadas da extrema direita a funcionários de órgãos públicos.
Sabiam porque, logo depois de demitida da presidência do IPHAN, em maio do ano passado, a historiadora Kátia Bogéa atribuiu publicamente sua exoneração à decisão de Bolsonaro de dar uma resposta às queixas do dono da Havan.
Bolsonaro só confirmou agora, e em voz alta, o que Kátia já havia dito. O empresário estava contrariado, em 2019, com a paralisação do projeto de construção da filial de Rio Grande, na região sul gaúcha, em terreno em que foram encontrados objetos de um sítio arqueológico.
O vídeo da famosa reunião ministerial de abril do ano passado, aquela da boiada de Ricardo Salles e das hemorroidas de Bolsonaro, já mostrava Bolsonaro se queixando da suspensão da obra do amigo por causa de um “cocô petrificado de índio”.
Já haviam sido exonerados, a partir de outubro de 2019, por causa dom projeto embargado, o diretor de Patrimônio Material e Fiscalização do Instituto, o arquiteto e urbanista Andrey Rosenthal Schlee, e coordenadores de superintendências.
Em maio do ano passado, um mês depois da reunião da boiada, Bolsonaro derrubou Kátia Bogéa. O IPHAN estava sendo desmontado porque o véio da Havan ou um preposto levara a queixa a Bolsonaro.
Agora, na palestra a empresários na Fiesp, esta semana, Bolsonaro confessou, citando Hang, que depois das reclamações da empresa “ripou” os servidores inconvenientes dos seus cargos de chefia.
Foi a admissão pública do delito de perseguição para atender às demandas de um apoiador contrariado. Bolsonaro provocou risos e aplausos dos empresários presentes. E, por causa da confissão, estamos de novo diante da história da caçada no IPHAN.
Por acaso, há uma semana conversei por telefone com dois dos servidores demitidos por ordem de Bolsonaro. Procurei os perseguidos porque enfrento dois processos do dono da Havan.
Publiquei artigos em que digo o que todo mundo sabe e já foi dito várias vezes sobre os métodos que ele usa para impor seus projetos, o que inclui agressões gravadas em vídeo e dirigidas a quem o contraria.
Eu queria saber dos demitidos mais detalhes do que havia acontecido, além dos já divulgados à exaustão, para lastrear minha defesa com provas inquestionáveis.
Me defenderei baseado na constatação consagrada e notória de que o véio da Havan impõe a grotesca estátua verde e suas vontades às comunidades, a urbanistas e a sindicatos com a força sem limites do seu poderio político e econômico. Bolsonaro apenas provou que avaliza esse método.
Não divulgo os nomes dos servidores para que não sejam expostos a mais uma perseguição. Digo apenas que seus relatos me comoveram e que me sinto honrado de estar ao lado deles, como alvo das ações do véio da Havan contra quem ele considera inimigo.
Por tudo isso, é preciso admitir que as tentativas de reparar os danos provocados pelas demissões, mais de um ano depois, podem não ter efeito algum.
Seria mais consequente investigar as interferências de empresários poderosos em decisões de governo, que acabam configurando perseguição e delitos graves, como esses confessados agora por Bolsonaro.
É tarefa que deve ser assumida pelo Ministério Público, para que os aliados endinheirados do bolsonarismo não se sintam impunes e muito à vontade.
Kátia Bogéa, servidora de carreira do IPHAN, e outros colegas perderam seus cargos de gestão porque fizeram o que deveria ter sido feito, cumprindo o que manda a Constituição. Tanto que, depois do expurgo dos servidores, a obra foi em frente.
Se o MP não agir, o que acontecerá com Bolsonaro e com o apoiador que ele decidiu favorecer, afastando os que os incomodavam ao cumprir a lei? É triste, é real, é chocante, mas não acontecerá nada.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim).
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