Mãe de Beatriz Angélica caminhou 712km em busca de solução para assassinato da filha
Após mais de 6 anos de mistério, teste de DNA divulgado nesta semana aponta autor do crime, mas mãe não se diz convencida: "Tem que haver mais elementos. Não venham com esse argumento de que ele é um doido que matou sem motivação alguma". Menina foi morta dentro de uma das mais tradicionais escolas de Petrolina
A Polícia Civil de Pernambuco informou nesta terça-feira (11) a peça-chave para o esclarecimento da morte da menina Beatriz Angélica, assassinada em 2015, em Petrolina (PE), foi a faca usada pelo criminoso Marcelo da Silva, que tem um histórico de crime sexual contra menor e está preso por um crime dessa natureza cometido em 2017.
Os peritos coletaram o DNA no cabo da arma, deixada no local do homicídio. A faca foi entregue ao Instituto de genética Forense, no Recife, um dia depois do assassinato.
O DNA da faca foi comparado com o material genético de 125 pessoas consideradas suspeitas. Todas essas amostras foram coletadas pelos peritos pernambucanos do Instituto de Genética Forense Eduardo Campos, desde 2015. E foi justamente o Banco de Perfis Genéticos que revelou que, entre esses suspeitos, estava o assassino de Beatriz Angélica. O laudo mostra que o perfil genético obtido a partir da amostra é compatível com o DNA da menina e do de Marcelo da Silva.
A polícia informou que, ao ser identificado, Marcelo da Silva prestou depoimento a delegados, confessou o crime e foi indiciado. O homem já estava preso por outros crimes.
O caso Beatriz Angélica Mota teve desfecho seis anos, um mês e um dia após o assassinato, ocorrido no dia 10 de dezembro de 2015, quando a menina participava da formatura da irmã, no tradicional Colégio Nossa Senhora Auxiliadora.
Ela saiu do lado dos pais para beber água e desapareceu. É o que mostram as últimas imagens em que ela aparece com vida. Cerca de duas mil pessoas estavam na unidade de ensino no dia do evento.
Mãe quer mais respostas
Após a identificação e confissão do suspeito do assassinato de menina Beatriz Angélica, a mãe da menina, Lucinha Mota realizou uma live em uma rede social. Para ela, o crime ainda precisa de respostas para ser considerado elucidado.
“No inquérito de Beatriz, não cabe um inocente. Não cabe. Aqui no inquérito de Beatriz só cabe os culpados. Se foi feito exame de DNA, se deu positivo, tem outros elementos que precisam ser confirmados, principalmente a motivação do crime, porque não vem a polícia dizer que ele é um doido que estava no meio da rua e entrou no colégio, não. Não venham. Não venham com esse argumento porque comigo não cola, não. Ninguém entra no colégio Auxiliadora sem ser conduzido por alguém, principalmente para entrar naquelas salas ali. O DNA por si só não é suficiente.”
Visivelmente emocionada durante a live, Lucinha explicou que soube da novidade no caso através da imprensa e ficou surpresa em não ter sido comunicada antes.
“A gente está tentando aqui buscar informação, porque eles devem isso a gente. Eu acho isso até desumano por parte da polícia fazer algo nesse sentido e não nos comunicar, porque não custava nada. São quatro delegados que estão no inquérito, um não podia parar para me ligar?”
Motivações
Em coletiva de imprensa na tarde desta quarta-feira (12), o secretário de Defesa Social de Pernambuco afirmou que Beatriz teria se assustado ao ver Marcelo com uma faca, e o crime teria sido cometido para silenciá-la. “Temos a motivação alegada se coadunando [coincidindo] com a dinâmica dos fatos que, ao haver contato do assassino com a vítima, ela teria se desesperado e por isso foi silenciada a golpes de faca”, declarou o secretário Humbero Freire.
No final de 2021, surgiu o primeiro indicativo que apontava o DNA de Marcelo como sendo o mesmo encontrado na faca. “Surgiu o primeiro indicativo ainda em 2021 e, a partir desse indicativo, diversas outras análises são necessárias para comprovação”, explicou Humberto Freire.
“Ele estava transitoriamente no local e entrou na escola para conseguir dinheiro para sair da cidade. Pela narrativa, [o crime] não era direcionado a uma pessoa específica. Beatriz foi a pessoa que ele encontrou e que, diante do susto, ele a silenciou a facadas”, disse Humberto Freire.
O secretário afirmou, também, que o número de facadas dadas em Beatriz mudou ao longo das perícias. “O laudo tem 42 fotografias de ferimento. Mas, segundo informações, são dez facadas. São 42 fotografias, algumas dela do mesmo ferimento, o que é normal”, declarou.
Nenhum dos delegados que integraram a força-tarefa criada em 2019 para investigar o caso participou da entrevista coletiva. Como a coletiva foi restrita a jornalistas, os pais de Beatriz, Lucinha Mota e Sandro Romilton não puderam participar. A mãe da garota reafirmou que precisa de mais elementos e informações para considerar que o caso está solucionado.
“Eu, meu marido e minha família nunca precisamos recorrer à Justiça de nenhuma forma, principalmente essa, de acesso direto a uma delegacia numa investigação criminal de algo tão bárbaro. E no primeiro dia que entrei na delegacia, saí desesperada de lá. Eu falei com o marido que eles não tinham condições de solucionar o inquérito de Beatriz porque não tinham sequer uma cadeira para sentar na delegacia”, disse Lucinha.
O anúncio da autoria do crime ocorreu 15 dias depois que a mãe de Beatriz percorreu 712 quilômetros a pé, entre Petrolina e o Recife, para pedir justiça. “O corpo dói, os pés doem, mas o que dói mais, pode ter certeza, é tirarem um filho da gente”, desabafou.
Ao chegarem em Recife, eles foram recebidos pelo governador de Pernambuco, Paulo Câmara, que assinou um documento declarando que o governo era favorável à federalização do caso.
“Na reunião, a gente questionou o porquê de o DNA não estar no banco nacional de dados. Lucinha se ofereceu pra bancar os custos para colocar no padrão necessário, mas não aceitaram. Uma das nossas hipóteses é que, em virtude desse ‘estalo’, eles tenham feito isso, mas não é suficiente”, afirmou Deniliria Amorim, amiga da família.
Questionamentos
Desde o dia do assassinato de Beatriz, muitas janelas ficaram entreabertas nas investigações. Após o ocorrido, os portões da escola não foram imediatamente fechados pela polícia, permitindo que as pessoas entrassem e saíssem do colégio. Também nunca foi explicado como alguém teve acesso a uma área que estava desativada após um incêndio — e que tinha cadeados.
A família também aponta outros erros, como as imagens das câmeras de segurança que foram apagadas por um prestador de serviços do colégio. Ele chegou a ser autuado, mas está solto. Uma sala próxima ao local do crime foi reformada dias depois, o que pode ter atrapalhado as investigações. Muitos delegados passaram pelo caso sem conseguir avançar com o inquérito.
A morosidade das investigações fez a família pedir diversas vezes a federalização do caso, por acreditarem que há falta de infraestrutura e corrupção dentro da Polícia Civil de Pernambuco. “A gente tinha que acreditar na polícia, porque é isso que a gente tem, mas infelizmente a realidade é diferente. Eu não entendia porque as pessoas não acreditam na Justiça, hoje eu entendo. Há impunidade, é como se o crime compensasse”, diz Lucinha.
A mãe de Beatriz também questionou o fato de as informações genéticas não constarem no banco genético estadual. “Eu questionei ao secretário se o DNA do assassino já foi confrontado com o banco de dados. Eu me referi ao banco nacional, porque, na minha cabeça, eu já tinha certeza que esse DNA já estava rodando aqui; e não estava”, afirmou.
“Eu acredito, pelos elementos que eles apresentaram, que é o resultado do DNA, que é incontestável, e as características físicas, mas isso só não é suficiente. Isso é uma fé de mãe, é a fé da família que está desesperadamente em busca de justiça. Então, a gente se apega a tudo e todos os detalhes”.
O crime
Beatriz Angélica Mota Ferreira da Silva foi encontrada esfaqueada dentro de um tradicional colégio de freiras em 2015 — e o motivo do crime nunca foi revelado. Na ocasião, ela estava acompanhada da família para comemorar a formatura de ensino médio da irmã mais velha.
A noite de festa foi interrompida quando o pai, que era professor na escola, subiu ao palco e começou a chamar por sua filha no microfone. “Beatriz, ô minha filha, onde você tá?”, dizia, já angustiado. Enquanto ele clamava por ajuda, a festa continuava — alguns convidados mais animados não queriam parar a celebração.
Instantes depois, as pessoas começaram a sair da pista de dança. O som parou e os gritos de desespero ressoaram pelo local. Era o choro das primeiras pessoas ao encontrarem o corpo da menina.
Beatriz foi vista pela última vez em imagens de uma câmera de segurança, às 21h59, quando se afastou da mãe para ir até o bebedouro do colégio. Foram poucos minutos até ela ser encontrada sem vida atrás de um armário, em uma sala de material esportivo, que fica ao lado da quadra de esportes onde se realizava a festa. O grande mistério é que não havia sangue no local, o que aponta que a menina não foi morta ali. O enigma nunca foi solucionado.
A criança estava com uma faca do tipo peixeira cravada no abdômen e apresentava ferimentos no tórax, nos braços e nas pernas.