Barbárie

Família de estudante que admitiu estupro diz que ele está ‘fazendo curso no exterior’

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Familiares de estudante de medicina dizem que ele estaria disposto a retornar ao Brasil "quando tudo isso passar" e ninguém mais lembrar do caso. Marcos Vitor estuprou as irmãs de 3 e 9 anos e a prima, quando ela tinha entre 5 e 10 anos. Ele é considerado foragido da Justiça há três meses e pode ter estuprado outras quatro crianças

Nome de Marcos Vitor já consta em lista de procurados pela Interpol. Advogados do estudante pararam de entrar em contato com as autoridades

Após descobrir que o enteado que criou desde os 11 anos de idade estuprou suas filhas de 3 e 9 anos, a madrasta do estudante de medicina Marcos Vitor Aguiar Dantas Pereira, de 22 anos, fez contato com a mãe biológica do rapaz, que atualmente é considerado foragido da Justiça. A madrasta prefere não ter o nome divulgado e será identificada nesta matéria com o nome de A.L.

Todo o drama da família de classe média de Teresina (PI) veio à tona depois que a prima de Marcos Vitor, hoje com 12 anos, revelou ter sido estuprada por ele dos 5 aos 10 anos. A princípio, os familiares tiveram dificuldade para assimilar a história, mas uma investigação aprofundada confirmou a denúncia e revelou que o estudante de medicina também estuprou as próprias irmãs por parte de pai — primas da vítima que teve a coragem de expor a situação.

A.L conta que, durante seu casamento com o pai de Marcos Vitor, nunca teve um único contato com a mãe biológica do jovem. A mulher morou cerca de 10 anos em Portugal e teria retornado recentemente ao Brasil. O contato de A.L com a mulher se deu porque ela queria que os pertences do estudante de medicina fossem retirados de sua casa.

A.L apelou para que a mãe biológica ajudasse a encontrar o jovem e convencê-lo a se entregar às autoridades. “Também a alertei para o fato de ela ter uma filha de 4 anos de idade. A criança é irmã por parte de mãe de Marcos Vitor e certamente é uma vítima em potencial”, disse.

“Se ele fez com as minhas filhas, irmãs dele por parte de pai, pode ter feito também com a irmã por parte de mãe. Eu temo que tenha acontecido. Ela [mãe biológica] desconversou e disse que iria falar com ele. Depois que falou com ele, ela retornou o contato e disse: ‘obrigada por todo esse tempo que você ficou com meu filho'”, continua A.L.

Após a forte repercussão do caso na imprensa nacional, familiares de Marcos Vitor chegaram a afirmar, em 3 de outubro, que o jovem não era foragido da Justiça e que estava “fazendo um curso no exterior”. De fato, Marcos Vitor só passaria a ser considerado foragido oficialmente no dia 7 de outubro, quando teve a prisão preventiva decretada. Desde então, a defesa do estudante não fez nenhum novo contato com a polícia.

“Familiares dele [tanto a materna como alguns parentes do pai] chegaram a afirmar que ele não era foragido, que estava no exterior fazendo um curso e que quando tudo isso passar e ninguém nem mais lembrar desse caso, ele volta. Um total absurdo. Não nos resta outra alternativa senão continuar pressionando a Polícia e o Ministério Público para que ele seja procurado internacionalmente”, desabafou uma familiar das vítimas.

“O mais triste de tudo é a sensação de dizer para todas as meninas que noticiaram o estupro que o agressor não está preso, nem será. Pois conseguiu fugir do Brasil com a ajuda da família [por parte de mãe] e da inércia das autoridades que poderiam ter agido e não fizeram. Isso é revoltante e o sentimento é de impotência. A impunidade se fará presente”, lamentou o advogado das vítimas, Rodrigo Araújo.

Como o Pragmatismo mostrou numa reportagem publicada em 7 de outubro, Marcos Vitor admitiu os estupros em uma conversa com a madrasta pelo WhatsApp. Na troca de mensagens, o jovem afirmou que os crimes tinham a ver com “seu lado obscuro” e que ele faria tudo para reparar os danos causados porque amava as irmãs. As cópias dessas mensagens estão em poder da polícia.

Mais detalhes sobre o caso

Marcos Vitor tinha 8 anos quando seu pai começou a namorar A.L e 11 anos quando eles se casaram e passaram a morar juntos na mesma casa. Durante muito tempo, Marcos foi considerado um menino exemplar e um estudante dedicado, que saía pouco para festas e que preferia ficar em casa jogando videogame.

Os anos se passaram e A.L teve duas filhas que aparentemente se davam bem com o irmão mais velho. Os casos foram descobertos após A.L desconfiar que a filha mais velha havia sofrido abuso. Após ser questionada, a menina disse que uma prima sabia o que havia acontecido.

“Perguntei para minha sobrinha [filha da minha irmã, hoje com 12 anos] e ela disse que ele havia estuprado ela e minhas filhas, além de outras crianças. Ela não aguentava mais e desabafou”, afirmou A.L. “Quando minha sobrinha conseguiu contar, as outras crianças também conseguiram. Foi um baque, a família toda desabou”.

Antes de ter coragem de expor toda a situação, a sobrinha de A.L atravessou um longo período de depressão com episódios de automutilação e até hoje traz marcas de cortes feitos nos braços. A menina tinha vergonha e medo de contar o que acontecia porque sofria ameaças do rapaz que, entre outras coisas, dizia que ninguém acreditaria nela, já que era considerado um bom filho.

A irmã mais nova do estudante, de 3 anos, foi ouvida por psicólogas e assistentes sociais da DPCA. Depois de um trabalho delicado da equipe multidisciplinar, a menina contou o que o irmão fazia com ela. O Pragmatismo teve acesso ao material chocante, que não será divulgado por respeito às vítimas e à Justiça.

Lembranças

“Uma vez um Instagram de medicina postou uma foto de um bebê com um tumor na região sacral. Aí, ele veio me perguntar se eu tinha a foto original porque naquela estava a parte dos genitais. Ele queria ver as partes das crianças. Eu não tinha prestado atenção de jeito nenhum porque era um tumor tão grande que você nem reparava no resto. Eu pensei: meu Deus, será que esse menino é pedófilo? Eu não sabia de nada, mas aquilo ficou na minha cabeça”, relembra A.L.

Cada lembrança vai ajudando a construir, para A.L, o que pode ser o Marcos Vitor real. Não o jovem tímido, educado e inteligente, mas uma mente criminosa que se escondia sob uma versão socialmente aceitável. A madrasta recorda que o enteado passava horas fechado dentro do quarto e que, há pouco tempo, levou uma cobra para dentro de casa, que costumava exibir pendurada no pescoço. Ela estranhou, mas permitiu que o animal ficasse desde que não fosse solto pela casa.

A capa de bom moço foi uma estratégia importante para não ser descoberto e ficar impune por tanto tempo, assim como a pouca idade das vítimas escolhidas por ele. “Nenhuma das crianças entendia, a de 12 [sobrinha] foi desde os cinco. Elas cresceram com ele fazendo isso. Elas não sabiam de nada, porque ninguém vai abordar sobre sexo com uma criança de 3, 4, 5 anos. Elas não sabiam que aquilo era errado”, diz A.L.

Hoje ela entende alguns comportamentos da filha mais velha, de 9 anos, que foi, ao longo do tempo, ‘regredindo’. “Ela passou a sofrer de ansiedade e passou a ter muita vergonha em se trocar (tirar a roupa). Só queria dormir conosco na cama. Não dormia só no quarto dela, graças a Deus. Até no colchão dentro do nosso quarto ela não aceitava dormir. Era sempre comigo ou o pai”.

A.L separou-se do marido que, segundo ela, suporta tudo “à base de remédios”. De uma família de médicos ou de estudantes de medicina, acredita que possa ter influenciado Marcos Vitor na escolha da carreira. A.L lembra que Marcos Vitor já tinha cursado cinco períodos de direito e costumava publicar defesas de penas mais duras para estupradores.

Três meses foragido

Para encontrar Marcos Vitor, a Polícia Civil do Piauí pediu apoio da Polícia Federal, que emitiu comunicado a todas as fronteiras terrestres e aéreas sobre o mandado de prisão preventiva. Na última sexta-feira (7/1) completou-se três meses da fuga do estudante de medicina.

A delegada Camilla Miranda indiciou Marcos Vitor pelo crime de estupro contra as irmãs, hoje com 3 e 9 anos, e a prima, que agora tem 12 anos. Camilla informou que outras quatro crianças podem ter sido vítimas do rapaz, mas as investigações sobre esses possíveis crimes ainda estão em andamento.

O delegado Luccy Keiko anunciou que os amigos e familiares que estiverem ajudando a esconder o estudante podem ser responsabilizados criminalmente. “Estamos investigando se pessoas estão dando cobertura financeira ou logística para que ele continue foragido. Isso é crime tipificado como favorecimento pessoal, e quem cometer esse crime será responsabilizado criminalmente”, ressaltou.

“Nos disseram que por ele ser réu primário demoraria pelo menos cinco anos para que tivesse processo viável de prisão. Foi um dos motivos de termos decidido expor o caso nas redes sociais. O depoimento das meninas seria só daqui a três anos, agora elas já foram ouvidas. Iria dar tempo dele se formar. Entrei em contato com o CRM (Conselho Regional de Medicina) e disseram que só perde o registro em caso de relação entre médico e paciente. A gente tinha que fazer alguma coisa porque ele iria ser médico e estuprador de crianças”, desabafou a irmã de A.L, mãe de uma das vítimas.