Com o que sobrar de apoios civis e militares, Bolsonaro não conseguirá aplicar um golpe nem no síndico do condomínio da Barra da Tijuca, se voltar pra lá depois de derrotado e abandonado
Moisés Mendes*, em seu blog
Não são poucos na grande imprensa os emissários dos avisos dos generais de que nada vai acontecer se Lula vencer a eleição. É uma espécie de habeas corpus preventivo (nos deixem fora dessa) tornado público pelo jornalismo que se presta a levar recados.
Temos um verão com um jogral de avisos. Os generais tentam passar a imagem de que agora são legalistas, mas a essência encoberta do recado é outra. Estão admitindo que não há como segurar um golpe imaginado e comandado por Bolsonaro.
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Os militares não têm nem vontade nem força para aplicar e manter um golpe. E talvez a vontade não exista porque sabem que não têm força, mesmo que golpes, com seus mais variados formatos, sejam bichos imprevisíveis.
Até porque ninguém sabe como seria um golpe hoje. O último e mais próximo de nós, na Bolívia, foi um desastre. Não tentem fazer em casa o que os generais, policiais, latifundiários e milicianos bolivianos fizeram em 2019.
Os recados dos militares no Brasil pretendem deixar claro que, se Bolsonaro seguir em frente, o projeto é apenas dele. Mas fica sempre a dúvida se, com a mesma presteza dos que saltariam fora, há os que desejam continuar dentro.
É difícil medir a convicção dos que continuam ao lado de Bolsonaro até o limite da loucura completa e de uma ruptura. Mas que ruptura?
Foi para esses, e não só para Bolsonaro, que Lula escreveu no Twitter que “a democracia brasileira sairá mais forte de 2022, e todos terão que aceitar o resultado das eleições”.
Dois movimentos pessoais recentes de figuras do meio militar oferecem informações que chegam em primeira mão a Lula e depois a todos nós. São movimentos que parte das esquerdas prefere pisotear.
As mensagens que passam são diretas e por isso mesmo incomodam os que se consideram intérpretes espertos de gestos considerados traiçoeiros dos militares.
O general Fernando Azevedo e Silva e o almirante Antonio Barra Torres deram os mais incisivos recados do ano. Azevedo e Silva, sem dizer nada publicamente, aceitou ser o secretário-geral do Tribunal Superior Eleitoral.
Barra Torres, dizendo tudo, numa carta que pôs Bolsonaro de joelhos, desafiou o sujeito a apontar a insinuada corrupção na Anvisa ou a se calar. Bolsonaro acovardou-se de novo e se calou.
Azevedo e Silva aceitou ser o muro militar cravejado de cacos de vidro do TSE contra a possibilidade de golpe, porque conhece sua turma. Estarei aqui contra os que atentarem contra as eleições, é o que ele manda dizer.
E Barra Torres afronta Bolsonaro como almirante que manda um recado a um tenente que apenas passou pelo Exército.
Não tem golpe porque não há como acreditar que Bolsonaro, um sujeito medíocre e vacilante, possa ser um líder golpista. Nem milicianos seguiriam Bolsonaro.
Golpes com a participação de milícias (des)organizadas falharam recentemente na Bolívia, nos Estados Unidos e no Peru. E no Brasil as milícias fariam o quê? Dizem que espalhariam o caos.
Mas o que significa espalhar o caos? Avacalhar com a apuração nas eleições? Atacar o Supremo e prédios de instituições? Sair às ruas tumultuando a vida nas cidades?
Atacar virtualmente tudo o que representa e defende a democracia? Disseminar mais mentiras? Queimar pneus? Sequestrar? Matar?
O caos já é o próprio Bolsonaro, com sua ação destrutiva em todas as áreas. O caos é produzido cotidianamente.
Um golpe é outra história. O único golpe possível já está em andamento. Foi o anunciado e previsível golpe do centrão. Bolsonaro já foi golpeado e subjugado e será saqueado até as vésperas da eleição.
Ao golpe do centrão é agregado agora o golpe dos militares que mandam avisos aos jornalistas, anunciando que abandonaram o sujeito e tentando antecipar uma trégua com Lula.
Com o que sobrar de apoios civis e militares, Bolsonaro não conseguirá aplicar um golpe nem no síndico do condomínio da Barra da Tijuca, se voltar pra lá depois de derrotado e abandonado.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim).
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