Por mais que os bolsonaristas se arvorem de definições esdruxulas, a exemplo dos que se definem conservadores nos costumes e liberais na economia, fica claro que esse Frankstein não se sustenta
Anderson Pires*
A política é mediadora das relações na sociedade, mas também serve para que linhas de pensamento sejam debatidas e disputadas. É comum a delimitação entre esquerda e direita, liberais e conservadores, capitalistas e socialistas.
No Brasil temos uma nova categoria baseada na mitificação de Jair Bolsonaro. Em tese, teríamos um novo agrupamento ideológico, que poderia ser chamado de bolsonarismo. Alguns podem imediatamente rebater e dizer que existe o lulismo. Também lembrarão outros momentos históricos com o getulismo, o prestismo ou o brizolismo. Mas além da personalidade existia uma linha ideológica mínima como condutora, algo que inexiste em relação ao atual presidente.
Por mais que os bolsonaristas se arvorem de definições esdruxulas, a exemplo dos que se definem conservadores nos costumes e liberais na economia, fica claro que esse Frankstein não se sustenta. É um grupo sem definição conceitual possível, com muitos conflitos de interesses e cheio de incoerência.
Por eliminação podemos dizer que o bolsonarismo é capitalista. Mas em qual das correntes se encaixaria? Porque enquanto pregam algumas medidas neoliberais de redução do papel do estado, ao mesmo tempo, aprovam isenções tributárias para igrejas e destinam parcela do orçamento da União para prática do clientelismo mais arcaico.
Alguém pode dizer que o bolsonarismo é um agrupamento cristão. Os mesmos que dizem que Deus está acima de todos, defendem uma política de extermínio na segurança pública. Se o respeito a vida e o senso humanitário são bases para o cristianismo, o que dizer de quem defende a pena de morte, o excludente de ilicitude, o armamentismo e desdenha de milhares de mortes em decorrência da covid-19?
Mas terá quem tente definir o bolsonarismo como um movimento de combate a corrupção. Esse é o exercício mais hipócrita entre os seguidores do presidente. Porque não faltam exemplos de incoerência com relação a essa questão. Basta lembrar que só no âmbito familiar são muitas as denúncias sobre corrupção, rachadinhas, compras de imóveis em negociações atípicas e dinheiro depositado em contas sem comprovação da origem.
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Para elencar algumas figuras que ficaram ilustres em decorrência dessas denúncias, temos a Wal do Açaí, o Queiroz, a Micheque e até o Miliciano Adriano da Nóbrega. Só o olhar míope dos bolsonaristas não enxerga as denúncias e ilícitos associados ao presidente e sua família. Mas ainda tem quem arrisque dizer que não existem casos de corrupção no Governo Bolsonaro.
Temos ministro sabidamente envolvido em ilícito, como foi o caso de Onyx Lorenzoni. Esqueceram das denúncias contra o ex-ministro Ricardo Sales no meio ambiente? O que dizer do laranjal do Marcelo Álvaro Antônio do Turismo? Tem quem defenda as contas em off-shores do Guedes e do Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto? Não bastasse, ainda existe investigação relativa à interferência na Polícia Federal e indícios de corrupção na compra de vacinas, que foram denunciados na CPI da Pandemia. Os bolsonaristas que propagam a pseudo honestidade do Presidente, fazem isso, na maioria das vezes, com base em informações falsas distribuídas pelo Gabinete do Ódio.
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Por mais que se tente estabelecer uma vertente que justifique o bolsonarismo, os fatos servem para desconstruir. Então, o que justifica ainda termos uma parcela significativa que faz a defesa do Governo Bolsonaro? Posso afirmar que o mais forte aglutinador é a permissividade.
Notem que para defender Bolsonaro não é necessário um conjunto de atributos. Aquele que diz apoiar em decorrência do combate a corrupção não precisa concordar com os demais pontos para uma defesa eloquente. Logo, o bolsonarismo serve como amplificador de moralismos e preconceitos de forma fragmentada. Não é necessário um ideário. A ausência de ideologia serve a quem precisa de absolvição em muitos dos temas que o presidente propaga.
Mas o que será do bolsonarismo após as eleições de 2022? Posso afirmar que diante de uma anunciada derrota os seguidores do presidente devem majoritariamente voltar para o armário. Ainda sobrará uma parcela que oportunisticamente irá ocupar esse espaço eleitoral, mas sem a força de antes, visto que, a principal referência sairá derrotada.
Entretanto, sempre terá quem acredite que haverá a manutenção desse grupo de forma forte e organizada. Para os que tiverem um olhar mais atento lembrarão que, mesmo com todo poder e estrutura que a Presidência da República proporciona, Jair Bolsonaro não foi capaz de organizar um partido político, muito menos obter o controle de algum dos já existentes.
Voltamos a questão inicial, o que acontecerá? O bolsonarismo será dissipado pelo simples fato que não existe como ideário. Assim como o Trumpismo que nunca existiu e já é possível constatar nos Estados Unidos, a eleição de Bolsonaro não representa qualquer movimento político-ideológico. É apenas um amontoado de moralismo, preconceitos e interesses especulativos.
Quem apostou sua intervenção política na adoração a Bolsonaro, propagando pautas conservadoras desumanas sem nenhuma conexão com um projeto político que sirva ao Brasil, terá algumas opções: uma crise de esquecimento (ou descaramento), o ostracismo ou buscar a sobrevivência em cargos proporcionais com base nos votos dos órfãos do “mito”.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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