Precisamos é enfrentar o fanatismo político com a ciência e por meio de amplas publicidades dos termos da Convenção Interamericana contra o Racismo, afinal a dívida que temos para com a população negra é atual, uma vez que o racismo ainda está muito presente em nosso país
Othoniel Pinheiro Neto*
Não são raros os discursos e artigos publicados no Brasil que tentam levantar um suposto racismo de negros contra brancos por meio de análises superficiais e, por que não dizer, fraudulentas, de narrativas que objetivam dificultar a implementação de políticas públicas compensatórias que buscam a igualdade material em nossa sociedade. Há até quem diga que não existe racismo no Brasil.
Desprovidas de um mínimo de senso de razoabilidade, tais análises têm por objetivo a movimentação política em torno de tais pautas que só tendem a beneficiar um determinado grupo político, nem que para isso tenha que destruir a ciência, a verdade e a honestidade.
Leia também: Entenda, definitivamente, por que “racismo reverso” não existe
É triste ver algumas dessas desonestas análises ganhando espaço em veículos da grande mídia.
Aponta-se como “prova cabal e científica” da existência do racismo de negros contra brancos no Brasil crimes isolados praticados em países distantes e motivados por razão racial. Nesse mundo paralelo e delirante, afirmar a diferença significa preconceito e até mesmo “alguma espécie de fundamentalismo”. Quem possui inclinação política ou psicológica para cair nessa narrativa falaciosa, facilmente vai aderir a um grupo de WhatsApp que o manterá preso em uma bolha cada vez mais distante da racionalidade.
A fraude é facilmente desmascarada quando se percebe que crimes isolados praticados por motivação racial não podem ser confundidos com o racismo. Nesse panorama, é importante fazer essa diferenciação justamente para a sociedade não ser vítima dessas falácias do racismo reverso. A ciência, a racionalidade e a honestidade agradecem!
Um importante instrumento para clarear esse raciocínio está na Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, que a partir do dia 11 de janeiro de 2022 passou a ter status de norma constitucional no Brasil, obrigando e vinculando a legislação brasileira, a esfera privada e todos os atos da Administração Pública.
A Convenção passou a fazer parte da Constituição Federal, uma vez que o art. 5º, § 3º diz que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Leia aqui todos os textos de Othoniel Pinheiro Neto
É justamente a simples leitura da Convenção Interamericana contra o Racismo que vai invalidar por completo os discursos do racismo reverso no Brasil, uma vez que o diploma internacional conceitua o racismo como “qualquer teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias que enunciam um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupos e seus traços intelectuais, culturais e de personalidade, inclusive o falso conceito de superioridade racial” (art. 1.4). Ou seja, o racismo nada tem a ver com os exemplos apontados pelos defensores da existência do racismo reverso, que se reportam a violências isoladas de cunho racial ou o identitarismo como forma de proteção das mais diversas formas de violência.
A Convenção Interamericana contra o Racismo também conceitua discriminação racial, apontando como “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, cujo propósito ou efeito seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes. A discriminação racial pode basear-se em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica” (art. 1.1).
Saiba mais: Convenção Interamericana contra o Racismo passa a ter status de norma constitucional
Assim, percebemos que o racismo é produto de ambientes construídos pelo racismo estrutural, que causa disparidades sociais e econômicas evidentes no Brasil em virtude de violências históricas muito bem relatadas por autores como Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, que deveriam ser bem estudados nas escolas como forma de combater algumas alienações. Nesse contexto, diante da leitura da Convenção (que é norma constitucional) é impossível existir racismo contra brancos no Brasil simplesmente porque não existe teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias que enunciam uma superioridade negra. Simples assim!
Portanto, não podemos deixar esses fraudadores ganharem voz sem uma reação da comunidade cientifica para impedir uma alienação social de uma parte da população em torno de uma temática tão cara para o Brasil. O que precisamos é enfrentar o fanatismo político com a ciência e por meio de amplas publicidades dos termos da Convenção Interamericana contra o Racismo, afinal a dívida que temos para com a população negra é atual, uma vez que o racismo ainda está muito presente em nosso país e, cada vez mais, demonstrando capacidades dinâmicas de renovação, assumindo múltiplas formas de disseminação e expressão linguística.
*Othoniel Pinheiro Neto é Defensor Público do Estado de Alagoas e Doutor em Direito UFBA.
Siga-nos no Instagram | Twitter | Facebook