Após correspondente dos EUA dar cor e forma ao racismo da imprensa na maneira como cobre a guerra da Ucrânia, outros comentaristas europeus seguem a mesma linha e estão abertamente externando aquilo que, na GloboNews, ficou até agora camuflado em piadas e bom mocismo
com Danilo Matoso, O Partisano
A guerra entre Rússia e Ucrânia alimenta também um duelo de narrativas e uma guerra paralela da informação. De um lado, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, propagou a censura das agências Russia Today (RT) e Sputnik. “Para não mais espalharem suas mentiras para justificar a guerra de Putin”, justificou. Desse modo, reservou à mídia ocidental a exclusividade do direito de espalhar versões, nem sempre correspondentes aos fatos.
Nas redes sociais, alguns jornalistas empregam “dois pesos e duas medidas” na cobertura do confronto armado e chegam a usar termos pejorativos aos falar sobre outras guerras no oriente.
Um dos exemplos foi Charlie D’Agata, do canal norte-americano CBS News. Na última sexta-feira (25), o correspondente disse que a guerra entre Ucrânia e Rússia não era esperada por se tratarem de europeus. “Este não é um lugar, com todo o respeito, como o Iraque ou o Afeganistão, que tem visto conflitos violentos há décadas. Esta é uma cidade relativamente civilizada, relativamente europeia, cidade onde você não esperaria isso”, disse ele ao vivo.
Os comentários do jornalista foram criticados nas redes sociais, e internautas apontaram como suas declarações contribuíram para a desumanização de pessoas não-brancas e não-europeias que também sofrem com conflitos armados. Horas depois, Charlie pediu desculpas em suas redes sociais.
Em outro episódio de racismo da imprensa, uma correspondente da rede inglesa ITV fala ao vivo em Przemysl, Polônia, de onde cobre o conflito na Ucrânia. Sua voz está visivelmente embargada: “Agora o impensável aconteceu com eles, e isso aqui não é um país em desenvolvimento, do Terceiro Mundo, isso aqui é Europa”.
Tratam-se aqui, evidentemente, de racismo e xenofobia aflorando profusamente pelos lábios daqueles encarregados de apurar e interpretar fatos históricos para a grande imprensa corporativa global. Não são deslizes, não são meros atos falhos, mas uma espécie de consciência coletiva que se expressa aqui de modo sistemático. A expressão do racismo se multiplica, explode, em diversos canais.
Na versão em inglês da rede árabe Al Jazeera, o âncora comenta as cenas de um amontoado de pessoas tentando entrar num trem para fugir da Ucrânia: “o que é mais tocante, só de ver o modo como se vestem, é que é uma gente bem de vida, de classe média, eles não são evidentemente aqueles refugiados tentando sair de áreas do Oriente Médio, numa grande guerra, não é gente tentando sair de áreas no norte da África, eles se parecem com qualquer família europeia, que poderiam ser seus vizinhos”.
Na estação francesa BFM-TV, o comentarista careca, de barba loira e olhos azuis desabafa, ao ver a fuga de milhares de pessoas de Kiev com a eclosão do conflito: “não falamos aqui de sírios que fogem de bombardeios sobre o regime sírio apoiado por Putin, falamos de europeus fugindo em carros que se parecem com os nossos para salvar suas vidas”.
Colunista do jornal britânico The Telegraph, o conservador Daniel Hannan publicou um artigo intitulado “A monstruosa invasão de Vladimir Putin é um ataque à própria civilização”, cujo tweet ressalta: “eles se parecem tanto conosco. Isso é o que torna tudo tão chocante. A guerra não é mais algo que ocorre a populações empobrecidas e longínquas. Pode acontecer com qualquer um”.
A sisuda TV estatal inglesa BBC entrevistou ao vivo o ex-procurador-geral ucraniano, David Sakvarelidze, que se diz “emocionado” por estar vendo “um povo europeu, de olhos azuis e cabelos loiros, ser morto”, no que recebe um afago do âncora inglês que diz “entender e respeitar a emoção” do jovem político. Talvez não por acaso Sakvarelidze ascendera ao cargo após golpe de estado de 2014 promovido pelos Estados Unidos conhecido como Euromaidan.
Está em curso hoje uma campanha deliberada operada pela imprensa corporativa com finalidades políticas claras: demonizar o ataque russo como um crime contra a humanidade, enquanto todos os demais conflitos e abusos – de seus países e do regime ucraniano apoiado por eles – seriam perdoáveis. É o famoso “jornalismo de guerra”.
Desde o primeiro dia de conflito, o uso das imagens de uma senhora loira e de olhos azuis ferida, com o rosto ensanguentado, correu as manchetes dos principais jornais do mundo visando a criar justamente esse efeito de empatia com uma certa camada das classes média e alta ocidentais – sobretudo os formadores de opinião. A imagem do conflito corrente na Ucrânia deveria ser a de uma civil inocente ferida, e não da milícia neonazista do Batalhão Azov, que nos últimos oito anos queimou pessoas vivas e matou ativistas antifascistas a pauladas.
São jornalistas que, enfim, sentem empatia por um regime neonazista que “se parece com eles”, mas que não sentiram qualquer empatia pelos milhares de mortos e perseguidos por aquele mesmo regime, ou pelos imigrantes negros residentes na Ucrânia estão sendo impedidos de embarcar em trens e entrar em filas para deixar o país em guerra.
Menos comoção ainda tiveram pelas dezenas de guerras, pobreza, miséria promovidas pelos chamados “países civilizados” em todo o restante do mundo, que afinal não é povoado por “gente de bem” como eles. Vale lembrar inclusive que, na mesma semana em que a Rússia bombardeava os aeródromos militares ucranianos, os Estados Unidos bombardeavam a Síria a Somália e o Iêmen, sem qualquer consternação similar da parte dos emocionados âncoras de suas emissoras de televisão.