Lucien de Campos
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Mundo 28/Fev/2022 às 19:41 COMENTÁRIOS
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Os fluxos migratórios no Mar Mediterrâneo: da arquitetura de fronteiras ao ativismo digital

Lucien de Campos Lucien de Campos
Publicado em 28 Fev, 2022 às 19h41

As perigosas rotas de migração através do Mar Mediterrâneo se tornaram a única chance para grupos vulneráveis de pessoas em movimento que fogem da guerra e da violência em uma busca desesperada para alcançar um porto seguro na Europa

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Milhares de migrantes ainda estão se afogando todos os anos no alto mar em busca de asilo e refugio na Europa

Lucien Vilhalva de Campos*

O Mar Mediterrâneo infelizmente se tornou um cemitério líquido, um lugar negligenciado, de sonhos abortados e de luto.

As perigosas rotas de migração através do Mar Mediterrâneo também se tornaram a única chance para grupos vulneráveis de pessoas em movimento que fogem da guerra e da violência em uma busca desesperada para alcançar um porto seguro na Europa.

Tais grupos vulneráveis não só têm que enfrentar as forças naturais em ação no alto mar (nomeadamente os ventos fortes, o frio e as águas tumultuadas com ondas e correntes), como também uma Europa fortificada através de uma aplicação contínua de procedimentos de segurança violentos de contenção. Seja durante a luz do dia ou na escuridão da noite, estas pessoas pedem ajuda ao arriscarem suas vidas em barcos superlotados à deriva.

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As únicas entidades que ouvem seus pedidos de ajuda são os atores não-estatais, mais precisamente as organizações humanitárias que realizem operações civis de busca e resgate. Este cenário de sofrimento de grupos vulneráveis, de negligência das autoridades, e de solidariedade de organizações humanitárias que tem se estendido ao longo dos últimos anos, se tornou um argumento convincente para a necessidade da produção de vídeo de projeto de pesquisa que pretendo compartilhar neste texto.

O vídeo a seguir é o resultado de um projeto de pesquisa que pretende explorar os papéis desempenhados por quatro diferentes atores envolvidos nas questões de migração forçada e mobilidade: os migrantes que se arriscam em rotas migratórias, os estados e autoridades, os grupos ativistas e organizações humanitárias, e a sociedade civil.

Composto por um conjunto de entrevistas com quatro acadêmicos das ciências sociais e políticas, assim como uma membra de uma ONG que realiza operações de busca e resgate no Mar Mediterrâneo, o vídeo está amplamente dividido em duas partes.

A primeira parte procura explorar a arquitetura de fronteiras Europeia, na tentativa de compreender como o Mar Mediterrâneo se tornou um lugar onde prevalece o sofrimento humano e a necessidade de politizá-lo.

A segunda parte aborda os papéis online e offline desempenhados por atores não-estatais em um processo de contestação da arquitetura de fronteiras e como eles poderiam servir como ferramentas para a crítica, educação, emponderamento e emancipação humana.

Os participantes do vídeo examinam uma série de tópicos que envolvem os fluxos migratórios no Mar Mediterrâneo. Eles trocam ideias sobre o impacto da pandemia nas questões migratórias, o significado das fronteiras na formação de barreiras através do estabelecimento de uma medida securitária de contenção empreendida pela Frontex que se chama “política de retorno” (“push-back policy, em inglês), e até mesmo a importância do jornalismo internacional na divulgação de informações sobre os fluxos migratórios.

Mais do que isso, a principal crítica que o vídeo explora diz respeito a uma desejável transição para além de um nexo securitário entre mobilidade e crise humanitária. Esta ideia é defendida pelo Prof. Dr. Antonio De Lauri na segunda parte do vídeo. Para De Lauri, “se continuarmos a pensar em mobilidade e migração em termos de emergência e crise, o que produziríamos não seria um ativismo orientado para mudanças políticas e reformas legais”.

Isto traz a tona um importante debate que os minutos finais do vídeo busca explorar. Expressões de profunda humanidade podem ser encontradas no trabalho prático das ONGs e nos seus esforços digitais para atrair a atenção e comoção social sobre os fluxos de migração forçada no Mediterrâneo.

Mas uma forma mais radical de mudança política exige uma transição em larga escala da lógica da emergência humanitária para o avanço dos discursos sobre direitos legais capazes de pressionar os governos a proporcionar uma passagem segura para aqueles em condições de perigo em alto mar.

A ideia por trás do vídeo é, portanto, a de abrir um debate sobre as possibilidades imanentes de mudança. Milhares de migrantes ainda estão se afogando todos os anos no alto mar em busca de asilo e refugio na Europa. Seus gritos de angústia devem ser ouvidos e debatidos por todas as esferas públicas da sociedade europeia. Este é apenas um simples e sucinto resumo do que se trata o vídeo de pesquisa a seguir.

O vídeo faz parte de um projeto de pesquisa de 6 meses financiado pelo Centro de Estudos Avançados da Internet (sigla CAIS em inglês). Um agradecimento especial ao meu amigo e fotojornalista independente, Raphael Lima, o homem por trás da câmera que prontamente me ajudou a produzir este conteúdo visual.

*Lucien Vilhalva de Campos é doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa e pesquisador visitante no Centro de Estudos Avançados da Internet pela Universidade de Düsseldorf na Alemanha.

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