A saída de cena de Olavo de Carvalho não significa cessar as ideias que defendia. Mas engana-se quem pensa que os pontos de maior convergência entre os olavistas está na discussão sobre a forma da Terra ou se a Antártida está na borda do planeta. Os pontos mais fortes de união entre seus seguidores são a promoção da desigualdade social e a propagação de preconceitos
Anderson Pires*
A morte de Olavo de Carvalho é um fato carregado de simbolismos. O pseudopensador cumpriu o papel de sistematizar a negação ao saber. Como um oráculo do mundo bizarro, espalhava obscurantismo e um moralismo desumano de ultradireita. O defensor de teses absurdas como o terraplanismo, crítico do globalismo, escritor admirado por uma legião de figuras exóticas, foi alçado a grande influenciador nas decisões do país, com o título de guru do bolsonarismo.
A impressionante ascensão de Olavo de Carvalho diz muito sobre o culto a ignorância. Abre espaço para questionar: a quem serve esse tipo de idolatria, por alguém que propaga ideias sem qualquer fundamento científico? Mais estranho ainda, quando muitos dos seus discípulos são pessoas que tiveram acesso a boa educação, em algumas escolas e universidades renomadas, mas nem assim adotam tom crítico em relação aquilo que Olavo propagava.
A saída de cena de Olavo de Carvalho não significa cessar as ideias que defendia. Mas engana-se quem pensa que os pontos de maior convergência entre os olavistas está na discussão sobre a forma da Terra ou se a Antártida está na borda do planeta. Os pontos mais fortes de união entre seus seguidores são a promoção da desigualdade social e a propagação de preconceitos.
O terraplanismo está mais no campo do folclore, que das questões centrais que movem as figuras de extrema direita que gravitavam em torno de Olavo de Carvalho e que apoiaram Bolsonaro. Mais importante para esse grupo é manter a segregação das minorias, o que, consequentemente, implica em aumento da desigualdade e manutenção de interesses.
Leia aqui todos os textos de Anderson Pires
A relação entre negacionismo, desigualdade e preconceito são intrínsecas. Porque servem a uma classe social específica, minoritária, bolsonarista e que se une em torno de práticas desumanas. Parece absurdo que tenhamos médicos contra a vacina e que defendem o uso de medicamentos sem eficácia para covid-19. Porém, não podemos esquecer que o elo mais forte não é o aparente. Os mesmos que negam a ciência, desconsideram que a desigualdade é decorrente da exploração que o capitalismo promove e que as questões identitárias não são fruto de opções morais.
As discussões em torno da Terra Plana são mais ilustrativas, servem como parte da retórica quase publicitária que esse grupo adota. O cerne está na manutenção de preconceitos, que ferem princípios, mas servem para aglutinar os que não conseguem aceitar uma sociedade plural, nem enxergar com empatia pessoas que sofrem pela falta de oportunidade.
O olavista bolsonarista irá identificar razões morais para que um jovem congolês seja assassinado num quiosque na Barra da Tijuca. Na mesma praia que mora o Presidente em seu condomínio fechado, a desigualdade se expõe da maneira mais brutal. Porém, não se verá de seus seguidores uma atitude humana que vá além da piedade. O jovem morto será tratado pela ótica de quem se diz cristão, mas não aceita que para se viver existem condições objetivas que muitas pessoas não dispõem.
↗ O que será do bolsonarismo pós 2022?
Em suma, a ignorância daqueles que lamentaram a morte de Olavo de Carvalho está recheada de preconceitos, interesses e falta de humanismo. Para esses, é conveniente a quebra de princípios acadêmicos, religiosos, morais ou éticos. Seja lá qual for a forma da Terra, o que querem é que seja ainda mais desigual e desumana.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
Siga-nos no Instagram | Twitter | Facebook