Passei o dia pensando em como falar sobre a morte de Arnaldo Jabor
Pablo Villaça: Meu problema com Jabor é uma questão de timing: quando comecei a me desenvolver como cinéfilo, ele iniciou um hiato como cineasta que duraria 20 anos. Com isso, o Jabor que conheci não era o artista, mas o comentarista político. Essa sua versão, embora articulada, era a figura de um sujeito conservador que apresentava um ranço pela esquerda
Por Pablo Villaça
Passei o dia pensando em como falar sobre a morte de Arnaldo Jabor. A questão é que procuro sempre expressar o que sinto e penso da maneira mais transparente possível – algo que creio dever aos leitores -, mas às vezes isto se torna complicado quando há sentimentos tão ambivalentes.
Acho que meu problema com Jabor é uma questão de timing: quando comecei a me desenvolver como cinéfilo, na pré-adolescência, ele iniciou um hiato como cineasta que duraria mais de 20 anos. Com isso, o Jabor que inicialmente conheci não era o artista, mas o comentarista político – e esta sua versão, embora articulada (mesmo com todas as hipérboles e muletas retóricas), era a figura de um sujeito politicamente conservador que frequentemente apresentava um ranço pela esquerda que sempre me irritou. Eu geralmente terminava de ouvi-lo sentindo ódio. Talvez por esta razão ele tenha sido, arrisco dizer, o último representante importante associado de alguma forma ao Cinema Novo cujos filmes assisti – e mesmo sabendo por leituras que sua obra contrastava com seus posicionamentos posteriores, me surpreendi positivamente com esta.
Claro que para os padrões de hoje, em que a direita brasileira virou uma sucursal do nazismo, as posições de Jabor parecem inofensivas; porém, como a História se desenvolve em passos, não em saltos, a (re)radicalização desta direita pós-ditadura passou justamente por este ranço pela esquerda fomentado por comentaristas neoliberais como Jabor. Assim, minha antipatia por ele se manteve até o fim; talvez se eu primeiramente tivesse conhecido sua obra nos anos 70 e 80 minha relação com seu trabalho fosse diferente.
Como falei, uma questão de timing; eu tinha exatamente a idade errada para que isto ocorresse.
Por sorte, o Artista tende a resistir bem melhor à passagem do tempo do que o comentarista político; assim, é provável que em mais alguns anos o nome de Jabor volte a ser associado exclusivamente ao que criou como cineasta.
Torço por isso, de coração.
*Pablo Villaça é um crítico cinematográfico brasileiro