A filha, de apenas 6 anos, não sabe da morte do pai. A criança esperava ele chegar em casa já que os dois acabaram criando um costume juntos. Durval é apontado por amigos como um "homem prestativo, inteligente, trabalhador, sorridente e família"
O assassinato de Durval Teófilo Filho por um sargento da Marinha já pode ser considerado um dos crimes mais deploráveis de 2022. A possibilidade de que o atirador responda por homicídio culposo — quando não há intenção de matar — alimenta o episódio com ainda mais indignação.
O militar Aurélio Alves Bezerra disse que atirou em Teófilo porque ele “andava muito rápido” em direção ao seu carro e, por isso, imaginou que fosse um “bandido”. A vítima é um homem negro e residia no mesmo condomínio do militar.
Amigos descrevem Teófilo como “um homem prestativo, inteligente, trabalhador, sorridente e família”. A filha, de apenas 6 anos, não sabe da morte do pai. A criança esperava ele chegar em casa já que os dois acabaram criando um costume juntos.
“Eles eram muito grudados. Todo dia quando chegava, ele deixava as coisas em casa e descia com o lixo. Ela sempre ia com ele, acabou virando um ritual dos dois. Ela pergunta o tempo todo onde está o pai dela, onde ele está”, disse Carlos Souza, padrinho da menina.
Luziane Teófilo, com quem Durval era casado há 13 anos, acredita que o crime tenha sido motivado por racismo. “Eu acredito que foi racismo, sim”.
Durval, que trabalhava em um supermercado, foi atingido no abdômen e na perna. De acordo com o padrinho da pequena Letícia, ele tinha medo de ser assaltado. “Ele era um cara maravilhoso. Uma pessoa despreparada acabou tirando a vida de um inocente. Ele tinha muito medo de assalto e acabou morrendo na ponta de uma bala. Ele morreu pelo pior medo dele, o tiro. A última vez que nos vimos foi na formatura da minha afilhada. Nos encontramos, rimos e agora recebemos essa notícia”, contou Carlos.
Através de imagens de câmeras de segurança (assista aqui) foi possível ver o momento em que Durval chegava em casa e foi abordado pelo militar. Mesmo atingido na barriga e avisando que era morador do condomínio, o sargento atirou pela segunda vez e acertou o abdômen. Ele ainda efetuou um terceiro disparo, mas não acertou a vítima.
“O que aconteceu foi uma covardia, porque meu irmão era trabalhador. Meu irmão nunca encostou em nada de ninguém, ele sempre saiu de casa cedo. Minha mãe criou três filhos sozinha e nenhum seguiu vida errada. Ele era o único irmão que eu tinha e acontece um negócio desses, ele tira a vida do meu irmão. Aí vai dizer que é legítima defesa? Não tem como, meu irmão não tinha arma, ele veio do trabalho”, desabafa Fabiana Teófilo, irmã da vítima.
Durval Teófilo também era uma pessoa solidária. “Certa vez passei por uma enchente em 2012 e ele me ofereceu abrigo em sua casa. Me ofereceu a chave de onde morava na época para mim, meus dois filhos e minha esposa. Ele era um irmão, mesmo sem ter o DNA”, disse Wallan Oliver.
A Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) indiciou o sargento da Marinha por homicídio culposo. Uma fiança de R$ 120 mil foi estipulada. Sem o pagamento do valor até a noite de ontem, ele foi transferido para um quartel militar, onde continua detido.
Morto pelo racismo
“O racismo é uma superestrutura, intrincada, multiforme, imbricada no tecido social. Esteja o indivíduo ciente ou não, pode a qualquer momento se transformar em vítima ou algoz nessa complexa maquinaria. O racismo tem o poder de inferiorizar a ponto de desumanizar pessoas. Desumanizados, podiam ser comprados e vendidos como se coisa fossem”, observa Raphael Vicente, mestre em Ciências Sociais pela PUC e professor da Universidade Zumbi dos Palmares.
“Como tudo na história humana, os tempos passaram, e o racismo se aperfeiçoou e se adequou. Não há mais cientistas e acadêmicos, abertamente, afirmando a superioridade das raças. Não há mais zoológicos humanos em que famílias de negros trazidas da África eram expostas enjauladas em zoológicos pela Europa. Em boa parte do mundo ocidental, não há mais a escravidão dos séculos passados. Até porque o racismo não precisa da escravidão. Tanto é que mais de 130 anos após a abolição, há plena convicção que ele ainda impera”
“Pessoas negras são perseguidas, mortas, inclusive com tiros pelas costas, agredidas, acusadas, presas, pelo simples fato de serem negros. O negro sempre aparenta o criminoso e como todos os negros são iguais, qualquer negro é um criminoso em potencial”, acrescenta Raphael.
“Um negro ao passar por um carro, a caminho da sua casa, porém com pressa, precisa pensar duas vezes, pode estar colocando a sua própria vida em risco. Ou superamos o racismo, ou ainda enterraremos muitos brasileiros. O resultado do racismo é sabido e conhecido: ‘está lá o corpo estendido no chão'”, finaliza o professor.