Um tucano perdido no espaço
O tucano no banco de reservas da terceira via, que já voou em formação com os bolsonaristas, é hoje uma ave perdida voando para todos os lados à espera de mortes que podem favorecê-lo
Moisés Mendes*, em seu blog
O quase ex-tucano Eduardo Leite está mandando recados aos jornalistas amigos todos os dias. As mensagens andam em várias direções.
Leite sugere que pode ser candidato a presidente pelo PSD ¬ como mais um dos corvos da política, que só espera a morte de Rodrigo Pacheco –, e depois recua e manda avisar que vai mesmo disputar a reeleição no Rio Grande do Sul.
Sim, a política tem corvos, assim como existem corvos em muitas outras áreas, e é do jogo e da natureza desse ambiente. Um tucano pode ser um corvo colorido, e não há nada de errado nisso.
Os amigos jornalistas e os jornalistas amigos dizem que Leite teme ser candidato pelo PSD, abandonando o que pensa ser a social-democracia (tem tucano que ainda acredita na alma social-democrata), porque passaria a ideia de que é um mau perdedor.
Leite não poderia, logo depois de ser derrotado nas prévias do PSDB para João Doria, se jogar no colo de caciques de outro partido, e logo no colo de Gilberto Kassab.
Não é bem assim. Não há escrúpulos desse tamanho na política. Se existisse, quase ninguém concorreria a nada. Trocar de lado é do jogo, nas mais variadas circunstâncias.
Ninguém sabe nem quer saber qual é o partido de Bolsonaro e poucos sabem que partido é o de Sergio Moro.
São outros os impasses que imobilizam Eduardo Leite, por enquanto, e só por enquanto. Com o embate dele com João Doria, foram expostas marcas que os dois carregarão para sempre.
Leite e Doria foram bolsonaristas oportunistas e se elegeram aproximando-se ou fazendo alianças com o que existe de pior na direita da direita.
No Rio Grande do Sul, Leite aliou-se à turma do patrão do Rancho Queimado e a líderes e simpatizantes da ideologia da chamada Gangue do Relho, de Bagé. São dois dos grupos mais absolutistas do Rio Grande do Sul.
Leite seria hoje um alvo fácil e fragilizado, nem tanto quanto Sergio Moro, mas com uma marca no bico. Um B verde bem grande, que ficou ainda mais evidente nos embates com Doria.
Os cabos eleitorais de um e de outro ficaram todo tempo tentando medir qual deles era mais bolsonarista. O paulista teria ido mais longe, ao trocar até de nome para virar Bolsodoria. Mas depois recuou, virou o homem da CoronaVac e foi parta o duelo da vacina contra a cloroquina de Bolsonaro.
Leite não chegou a mudar de nome, talvez porque as combinações não ajudassem muito (imaginem Leibolso ou Bolsolei), mas é seu governo é sustentado até hoje por bases bolsonaristas.
O que o quase ex-tucano espera é que Pacheco caia fora e, a partir daí, possa avaliar as reações ao seu nome diante da possiblidade real de ser candidato.
Leite sabe que somente terá condições de dizer se vai em frente, se Pacheco for dado como morto e enterrado como candidato a pré-candidato do PSD.
Depois disso, terá que conferir pesquisas do partido para ver o alcance do seu nome e medir o que resta de conexão da imagem de político fofo caroneiro do bolsonarismo.
Alguns podem dizer que essa será uma vantagem, já que o gaúcho arrancaria com uma base polivalente de extrema direita, de direita e de centro.
Nada disso. Leite não tem lastro orgânico na extrema direita. Apenas usou o bolsonarismo em 2018 como escada para chegar ao governo do Estado com aliados de Bolsonaro. Hoje, é considerado inimigo por essa base mais fiel.
A chance de viabilização da candidatura seria aumentada com a ocupação do espaço que é de Moro. Mais um representante da direita com cara de candidato de centro vai dispersar e fracionar essa base de ex-aliados de Bolsonaro e ver o sujeito chegar facilmente ao segundo turno.
Leite tem condições de tirar Bolsonaro do duelo final contra Lula? Hoje, até os mais otimistas membros da Gangue do Relho sabem que não.
O tucano no banco de reservas da terceira via, que já voou em formação com os bolsonaristas, é hoje uma ave perdida voando para todos os lados à espera de mortes que podem favorecê-lo.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim).