Cabo Anselmo atuava como espião infiltrado nos movimentos de esquerda e levou muitos militantes à tortura e à morte, inclusive sua própria esposa, grávida de 4 meses. A chacina que vitimou Soledad é classificada como um dos crimes mais brutais da ditadura
RBA
A Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil foi criada há quase 60 anos, em 25 de março de 1962. A Marinha não aceitava uma entidade representativa. Um jovem sergipano, então com 21 anos, filiou-se à AMFNB, e ainda no final daquele ano passou a comandá-la. Era José Anselmo dos Santos, que entrou para a história como Cabo Anselmo, que morreu ontem (15) em Jundiaí, interior paulista, aos 80 anos, com problemas renais.
De líder dos marinheiros, Anselmo tornou-se colaborador da ditadura. Alguns acreditam que foi já em 1964, embora predomine a versão de que teria sido apenas a partir dos anos 1970. Para o historiador Flávio Luís Rodrigues, autor do livro Vozes do Mar – O movimento dos marinheiros e o golpe de 64 (Cortez Editora, 2004), Cabo Anselmo passou a colaborar com o delegado do Dops Sérgio Paranhos Fleury depois que ele e outro ex-marinheiro (Edgard Aquino Duarte) foram presos, em 1971.
Um dos estopins do golpe foi o protesto da Associação dos Marinheiros contra a prisão de dirigentes favoráveis às reformas de base de João Goulart. Em 25 de março de 1964, durante assembleia na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio, os marinheiros decidiram não acatar a ordem de prisão dada aos colegas e permanecerem no prédio do sindicato.
No dia seguinte, parte do fuzileiros enviados pelo ministro da Marinha, almirante Sylvio Motta, aderiu ao movimento. Motta demitiu o comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, almirante Cândido Aragão, mas o presidente da República acabou anistiando os revoltosos, piorando o clima político.
Anselmo fez inflamado discurso no dia 25 e liderou passeata no centro do Rio três dias depois. Estava ao lado de Jango no ato da Associação de Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar, no Automóvel Clube, dia 30, véspera do golpe.
Cassado pelo Ato Institucional 1 (AI-1), em abril, Anselmo asilou-se na embaixada do México e mais tarde foi para Cuba, onde fez treinamento de guerrilha. Voltou ao Brasil em 1970, como integrante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Prisões e mortes de militantes que tiveram contato com ele passaram a provocar suspeitas de que era um agente infiltrado.
Em 1973, após uma delação, seis integrantes da VPR foram mortos em Paulista (PE), incluindo sua mulher, a paraguaia Soledad Barrett, 28 anos, que estava grávida de quatro meses. É considerado um dos crimes mais brutais cometidos pela ditadura.
Dias antes da execução de Soledad pelo regime, Anselmo foi visto com a companheira passeando pelas rua do Recife, procurando roupinhas de bebê. A jovem paraguaia não desconfiava que seria morta pela boca do seu companheiro, pai do filho que ela carregava na barriga.
Matéria da revista Época, publicada em 2018, apresentava Anselmo como “palestrante de direita”. A reportagem acompanhou sua ida para uma palestra a convite do grupo Direita São Paulo. Chegou a pedir anistia, sempre negada. Em maio de 2012, por exemplo, a Comissão de Anistia negou por unanimidade seu pedido de indenização. “Não há possibilidade de o Estado reparar àquele que deu causa às violações aos direitos humanos. E, na presente circunstância, o requerente assume publicamente que foi um agente de violações de direitos humanos”, afirmou naquela ocasião o presidente do colegiado, Paulo Abrão.