Guerra Cognitiva: no Brasil e no mundo, as notícias falsas sobre a guerra na Ucrânia são as mais curtidas e compartilhadas, e os responsáveis não estão sendo punidos devidamente
Diversos conteúdos e imagens publicadas nos últimos dias não mostram a realidade sobre a guerra na Ucrânia. Um vídeo borrado que afirma mostrar uma garota ucraniana confrontando um soldado russo registrou 12 milhões de visualizações no TikTok e quase um milhão no Twitter.
O vídeo, na verdade, mostra a menina palestina Ahed Tamimi, com 11 anos na época, confrontando um soldado israelense depois que o irmão mais velho dela foi preso em 2012. O Twitter classificou o vídeo como “fora de contexto”, mas continua acumulando visualizações no TikTok.
Outras imagens que mostravam supostos moradores de Kiev combatendo a infantaria motorizada russa com coquetéis molotov foram compartilhadas por dois parlamentares britânicos e se tornaram virais em várias redes. As cenas levaram muitos usuários a acreditarem que civis ucranianos estavam lutando de ‘maneira aguerrida’ para defender sua nação. As fotos, no entanto, são antigas e foram tiradas durante os protestos do Euromaidan em 2014.
SAIBA MAIS: AS ORIGENS DA CRISE NA UCRÂNIA E COMO O CONFLITO SE TORNOU INEVITÁVEL
Um vídeo dramático que mostra um piloto ucraniano derrubando um caça russo foi tuitado pela Nexta TV, um canal bielorrusso de extrema-direita que apoia o atual governo da Ucrânia. O vídeo mostra um jato em chamas, seguido pelo som de uma enorme explosão — e foi visto quase um milhão de vezes. No entanto, a cena não é real. Trata-se de um trecho do jogo de videogame Arma 3 — que também foi compartilhado pela Jovem Pan no Brasil.
Uma imagem mostrando duas crianças saudando um comboio de forças ucranianas gerou milhões de engajamentos. Ela foi compartilhada por Renan Santos, líder do MBL que está no leste europeu. O rapaz publicou a foto como se fosse de 2022, mas ela é de 2016.
O congressista americano Adam Kinzinger e o ex-primeiro-ministro sueco Carl Bildt também compartilharam a mesma imagem como se fosse da guerra na Ucrânia. Registrada em 2016, a foto foi tirada por um fotógrafo voluntário do Ministério da Defesa ucraniano acusado de encenar várias de suas imagens de combate.
Uma imagem do prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, viralizou no Instagram. A imagem dizia mostrá-lo na linha de frente do combate contra os russos. Mas, novamente, é uma foto antiga — postada pela primeira vez por Klitschko em março de 2021, mostrando-o no centro de treinamento de Desna, na região de Chernihiv.
Outra imagem espalhada milhões de vezes mostra o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, utilizando uniforme militar e se encontrado com integrantes do exército ucraniano. “Mesmo sem ajuda da OTAN, o presidente decide colocar um colete e vai lutar na linha de frente para defender seu povo. Que sua bravura não seja em vão”, diz a legenda da foto. A imagem, porém, é antiga e foi capturada antes da invasão, em um encontro do mandatário com os militares.
A história do tanque
Um vídeo rodou o mundo acompanhado da seguinte chamada: “Tanque de guerra russo passa por cima de carro de idoso na Ucrânia”. O conteúdo continua no ar nas páginas dos principais veículos de comunicação do Brasil e do mundo.
A informação viralizou nas redes sociais e causou revolta. Apesar disso, a história não é verdadeira. A explicação fica por conta de detalhes que aparecem nas imagens e pelo próprio contexto da guerra.
O vídeo é recente, mas não tem nada a ver com um ataque de um tanque russo, como explicou aqui o site Boatos.org. Apenas dois veículos de comunicação desmentiram a informação: o Observers, da França, e o norte-americano USA Today.
Diz o boatos.org: “A história que diz que um tanque russo passou por cima do carro de um civil, em Kiev, na Ucrânia é falsa! Detalhes presentes na imagem apontam que o veículo não é russo, mas sim ucraniano. O veículo, na realidade, não é um tanque, mas sim um lançador de mísseis. Além disso, o veículo não possui a letra Z estampada em sua carcaça. O Exército russo usa a letra para identificar veículos do comboio e evitar fogo amigo. Além disso, na época do vídeo, o Exército russo ainda não estava em Kiev, capital da Ucrânia. Por fim, até agora, não ouvimos falar sobre o suposto militar russo que estaria dirigindo o veículo. É provável que o controlador do veículo tenha perdido o controle e passou por cima do carro do idoso. Ou seja, a história não passa de balela”.
Ficou também comprovado que a história dos soldados supostamente executados por russos na Ilha das Serpentes era falsa. Ao contrário do que divulgou o presidente da Ucrânia, todos os combatentes ucranianos se renderam após diálogo com as tropas russas (saiba mais aqui).
Todas as notícias falsas não surgem por acaso: elas são lançadas estrategicamente para provocar comoção social e empurrar a opinião pública global e as estruturas financeiras e geopolíticas para um lado do conflito. Trata-se do conceito de Guerra Cognitiva já abordado diversas vezes pelo professor Lúcio Massafferri Salles, colunista do Pragmatismo.
PARA ENTENDER MAIS:
1. O poder da linguagem na arquitetura do caos
2. Artefatos semióticos e catarse do riso nas guerras híbridas
3. Comunicação e psicologia das massas na geopolítica da internet