"Me senti invadida e extremamente triste, constrangida, suja", desabafa jovem que voltava de uma festa e usava uma fantasia de coelho. Ela diz que a partir de agora vai utilizar 'um casaco por cima'. Advogada afirma que convenção do condomínio precisa observar as leis do país
Rute Pina e Camila Brandalise, Universa
No dia 26 de fevereiro, sábado de Carnaval, uma mensagem por WhatsApp causou constrangimento à artista Bruna Martins Nery, 27. Ela foi surpreendida com uma imagem de câmera de segurança, em que aparecia usando um maiô, no elevador do prédio onde mora em Uberlândia (MG). Junto com a foto, uma ligação da síndica do prédio à 1h45, seguida de mensagens da mulher, que dizia que precisava conversar urgentemente com a jovem.
A reclamação da síndica era sobre a roupa de Bruna, que voltava de uma festa com uma amiga e usava uma fantasia de coelho, vestindo um maiô e meia arrastão. “Ela disse que o prédio era de família e que tinha regras e costumes rígidos. Seria muito constrangedor, segundo ela, uma família me ver com a roupa que eu estava”, relatou a jovem a Universa.
“Me incomodou muito esse julgamento moral”, disse a cantora. “Me senti invadida com a mensagem dela e extremamente triste, constrangida, suja. Foi como se fosse uma pessoa que estava ali para o mal. Simplesmente estava curtindo a minha festa”.
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Bruna conta que não tinha conhecimento de nenhuma regra no prédio nesse sentido e que mudou recentemente para o apartamento que antes era ocupado por sua avó. “Já transitei com aqueles trajes algumas vezes no condomínio que eu morava anteriormente e nunca me disseram nada. Então andei por esse tranquilamente, como quem não quer nada, porque eu não queria nada mesmo, só queria ir para a casa”, desabafou.
No Twitter, o episódio foi comparado com o caso de Geisy Arruda, constrangida por usar um vestido curto em uma faculdade privada em 2010.
Condomínios não podem definir tipo de roupa usada em áreas comuns
A advogada Anna Lyvia Ribeiro, especialista em direito imobiliário, explica que as regras particulares de um edifício são determinadas em convenção condominial e regimento interno, estabelecidas no momento da criação, e que podem ser alteradas em assembleia.
Mas a advogada alerta que tanto a convenção de condomínio quanto o regimento interno precisam observar as leis do país, inclusive a própria Constituição Federal. “Não é possível que disposições internas contrariem outra legislação. Se elas contrariarem, essa disposição tem que ser afastada e, inclusive pode ser levada para discussão na Justiça”, explica.
No caso da fantasia de Bruna, a advogada afirma que, ainda que o condomínio tenha alguma norma sobre o comportamento esperado dos moradores para o bom relacionamento entre a vizinhança, reclamações sobre tamanho de roupas não são plausíveis.
“Não me parece adequado esse tipo de colocação por parte da síndica. Não estamos diante de nenhuma situação que envolva a pessoa estar sem roupa, que poderia se enquadrar na prática de um ato obsceno ou mesmo nudez, que tem previsão na legislação e pode ser punida no âmbito criminal”, diz a advogada.
Ela também pontua que não há um consenso jurídico sobre a partir de que ponto a nudez passa a ser um ato obsceno em lugar público, o que seria, de fato, um crime. “O crime está ligado à prática do ato obsceno ou a nudez. Mas, nesse caso, ela não estava nua nem cometeu um ato obsceno. O que fica evidente é um julgamento moral”.
Ribeiro afirma que, caso exista alguma disposição específica sobre a vestimenta que precisa ser utilizada nas áreas comuns do condomínio para acessar, por exemplo, os elevadores, essa regra poderia violar o direito de ir e vir dos moradores — e pode ser derrubada. “Uma regra como esta veda a possibilidade de uma pessoa utilizar a vestimenta que ela quiser, que é uma liberdade que ela tem. E de acessar áreas como elevadores, que ela precisa utilizar para chegar ao seu apartamento“.
Para evitar novos constrangimentos, Bruna afirma que agora vai utilizar um casaco por cima. A jovem lembra que já passou por outras situações semelhantes, principalmente durante o Carnaval, mas com desconhecidos.
“Já fui questionada pela minha roupa, até foi por conta de machismo na rua, como homem mexer comigo. Mas por uma situação na minha própria casa, no meu condomínio, nunca passei”.
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