Campanha de Bolsonaro comemorou as recentes declarações de Lula, principalmente as que se referem à chamada 'pauta de costumes' – campo predileto de debates do bolsonarismo. Aliados do presidente aproveitaram o “erro” para esvaziar o apoio a Lula junto a religiosos e a eleitores de centro. Socióloga que faz pesquisas qualitativas explica explica impacto nos eleitores de baixa renda das declarações de Lula sobre aborto: “É na igreja onde esse eleitor de menor renda encontra sociabilidade, uma rede afetiva e material. E há um discurso, em relação ao aborto, que tem mais a ver com princípios e valores morais e cristãos do que com uma questão de saúde pública. Com relação à fala de Lula, além de não agregar muitos votos, pode fazer com que ele perca, nesse campo moral, o eleitor que havia ganhado pela memória do que foi seu governo em termos econômicos”
Depois da reação de lideranças evangélicas e preocupação dentro do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuou na defesa do aborto, afirmando ser pessoalmente contra. O tema tem influenciado, principalmente, no voto de eleitores fora da esquerda e nos das classe C e D, que têm apresentado maior adesão à pré-candidatura petista. Para a socióloga Esther Solano, que faz pesquisas qualitativas com enfoque em eleitores das classes C e D, a pauta de costumes estará “lado a lado” com a agenda econômica nesta eleição.
Para ela, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tende a “turbinar a pauta moral” na campanha, na tentativa de alcançar um eleitorado de baixa renda que, hoje, está próximo de Lula. Na pesquisa Datafolha divulgada em março, o petista tinha 51% das intenções de voto na faixa mais pobre, contra 19% para Bolsonaro.
Em suas pesquisas de campo, Esther observou que, entre os eleitores mais pobres, a abordagem do aborto aparece mais frequentemente ligada a um ponto de vista religioso.
“É na igreja onde esse eleitor de menor renda encontra sociabilidade, uma rede afetiva e material. E há um discurso, em relação ao aborto, que tem mais a ver com princípios e valores morais e cristãos do que com uma questão de saúde pública. Com relação à fala de Lula, além de não agregar muitos votos, pode fazer com que ele perca, nesse campo moral, o eleitor que havia ganhado pela memória do que foi seu governo em termos econômicos”, diz.
Em dezembro de 2018, na pesquisa mais recente a abordar o comportamento do eleitorado nesse tema, o Datafolha apontou que 41% diziam que o aborto deveria ser “totalmente proibido”. O percentual superava o dos que diziam concordar com a legislação atual (34%), que permite o aborto em três hipóteses: nos casos de gravidez causada por estupro, quando há risco de vida para a mulher ou nos casos de fetos anencéfalos. Apenas 6% opinaram que o aborto deveria ser permitido em qualquer situação, de acordo com a decisão da mãe.
A opinião de que o aborto deveria ser proibido em qualquer hipótese foi mais forte no eleitorado mais pobre, com renda familiar de até dois salários mínimos: 51% defenderam a proibição “total”, segundo o Datafolha. Essa faixa corresponde a cerca de 100 milhões de pessoas, quase metade da população, segundo estimativas a partir da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE, que levantou o rendimento médio da população, e da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2019, que registrou o tamanho médio das famílias.
Nesta semana, Lula defendeu que toda mulher deveria ter direito ao aborto no país e que a questão fosse tratada como saúde pública. O tema, considerado espinhoso e que costuma ser evitado por candidatos, preocupou aliados de Lula em um momento em que o PT tenta conquistar um eleitorado de centro.
“A única coisa que eu deixei de falar na fala que eu disse é que eu sou contra o aborto. Tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta. Eu sou contra o aborto. O que eu disse é que é preciso transformar essa questão do aborto em saúde pública. Que as pessoas pobres que forem vítimas de um aborto têm que ter condições de se tratar na rede pública de saúde”, justificou Lula.
Campanha bolsonarista comemora
A cúpula que coordena o QG de reeleição do presidente Bolsonaro comemorou o uso das últimas falas do ex-presidente Lula consideradas “polêmicas”, principalmente a que ele defende o debate sobre o aborto. Já há material circulando fortemente nos grupos de WhatsApp e Telegram sobre o tema.
A estratégia é colar ao PT a imagem de que, se eleito, o ex-presidente irá avalizar propostas que não têm consenso na sociedade e tem rejeição do eleitor conservador, da chamada pauta de costumes, como a liberação do aborto.
Um ministro do governo Bolsonaro, em tom de ironia, recorreu a uma frase atribuída a Napoleão Bonaparte para resumir nesta quinta-feira (7) a avaliação feita no Planalto após essa e outras falas do ex-presidente Lula nos últimos dias: “Não interrompa seu adversário quando ele estiver cometendo um erro”.
Petistas afirmam que é preciso haver uma linha de estratégia de comunicação, caso contrário a campanha não tem como rebater em tempo real, na guerra virtual, o que chamam de “distorções “ e “edições” da fala do ex-presidente. Diante da preocupação com novos desgastes, a pré-campanha de Lula cobra do ex-presidente a definição, com urgência, do time titular da campanha que será autorizado a falar e executar estratégias de comunicação.