A aliança entre Lula e Alckmin não significa que ambos tenham mudado muito do que pensavam um sobre o outro em 2006. Também está longe de apagar arestas relativas a embates, seja na política partidária ou nos movimentos sociais
Anderson Pires*
A candidatura de Lula para presidente é a favorita nas pesquisas divulgadas até agora. Mesmo assim, o receio de que Bolsonaro possa se reeleger é latente. Basta verificar que ainda detém uma base fiel, radicalizada, que lhe garante percentuais consideráveis nas aferições realizadas. Resta para além de Lula e Bolsonaro um mar de incertezas. A possibilidade de uma terceira via que concentre parcela significativa do eleitorado é cada vez menor.
Em meio a dúvida, cabe aos que consideram que o pior dos cenários seria termos mais quatro anos de governo Bolsonaro, priorizar a unidade em torno do objetivo de derrotar o atual presidente, se possível, já no primeiro turno. Seria um desfecho que permitiria estabilidade política, pois, representaria uma vitória maiúscula, capaz de enterrar a tropa de radicais bolsonaristas.
Diante da clareza que o objetivo é derrotar Bolsonaro e acabar com sua cruzada antipovo e antidemocracia, falsear argumentos para formação de alianças pode derivar para a percepção de que vale tudo para retomar o poder, até fingir que o passado de divergências e ataques nunca existiram.
Ora, será que alguém acredita que as acusações trocadas por Lula e Alckmin no passado foram meras divergências de cunho político?
Realizar uma aliança, que é pragmática, com objetivo de exterminar um mal maior, não é justificativa mais que louvável? Afinal, estamos falando de bala trocada no passado. Tanto Lula como Alckmin fizeram acusações um contra o outro, na maioria das vezes de forma leviana e de cunho moral.
Tentar um processo de conversão, em que transformam o Sindicalista Lula em ídolo do coxinha Opus Dei Geraldo Alckmin, é quase uma transmutação de chumbo em ouro, como pregavam os alquimistas ser possível, desde que obtivessem a pedra filosofal.
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A aliança entre Lula e Alckmin não significa que ambos tenham mudado muito do que pensavam um sobre o outro em 2006. Também está longe de apagar arestas relativas a embates, seja na política partidária ou nos movimentos sociais. O spray de pimenta que estudantes, professores e jornalistas receberam em 2015 da PM de Alckmin, certamente arde até hoje. Da mesma forma que as acusações de que Lula foi preso por ser chefe de uma quadrilha não serão apagadas.
Mas o motivo de uma união tão heterodoxa é aceita por todos que têm a consciência de que Bolsonaro como presidente é pior do que relevar divergências por mais absurdas que pareçam. O povo não conduz sua vida em decorrência das disputas políticas. As decisões são quase sempre em torno das razões objetivas que possam garantir a sobrevivência, dignidade e alguma capacidade de consumo. Os recalques pelas contradições ideológicas ou sapos engolidos deixaram de ser importantes na hora que o vazio no bucho fez eco.
Para aqueles que precisam de justificativas aparentemente utópicas, relaxem. Existirão as mais diversas causas para se superlativar justificativas que facilitem digerir uma aliança capital/trabalho/Opus Dei. Temas identitários estão em alta. Com certeza, a campanha do Lula irá sinalizar para essas questões. Considero justo que sirvam de alento. Afinal, as violências provocadas pelo racismo, homofobia e toda sorte de preconceitos propagados por Bolsonaro transformarão a campanha de quem combater essas posturas em movimento humanitário.
Quem tiver o sonho de reviver cruzadas da esperança, a transformação do Brasil num país socialista, com um estado que não esteja a serviço do capital, não tem problema, os comunistas de hoje acreditam em Deus, não é demérito acreditar que Lula e o PT cogitam reformas que levem a tanto (dizer revolução seria demais).
No meu caso, votarei em Lula e Alckmin sem romantismo, mas convicto de que não existe outra opção. Sempre que pensar em torcer o nariz para essa aliança, lembrarei que para derrotar Bolsonaro não cabem melindres. Pois, tenho certeza, aqueles jovens, mulheres e idosos que me pedem comida no semáforo quando paro o carro, estão pouco se lixando para quem Alckmin reza ou se Lula está cada dia mais centrista.
O que importa é derrotar Bolsonaro e voltar a comer.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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