"Senti que ia morrer naquele momento". Em Recife, 26 estudantes precisaram ser socorridos pelo SAMU em escola durante crise coletiva de ansiedade. Psicoterapeuta cognitivo explica como alguns fenômenos na psicologia são desencadeados de forma coletiva
Vinte e seis estudantes de uma escola estadual de Recife (PE) passaram mal ao mesmo tempo na última sexta-feira (8). Com falta de ar, tremor e crise de choro, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) classificou o ocorrido como uma “crise de ansiedade coletiva”.
“Eu ainda estava passando mal, com muita falta de ar, e chegou o momento que eu não estava conseguindo respirar. Eu estava puxando o ar, mas não estava vindo. Aí eu deitei no chão, na grama mesmo, no pátio, e senti que ia morrer naquele momento”, revelou uma das estudantes, de 15 anos.
As aulas na escola foram retomadas nesta segunda-feira (11), mas a aluna de 15 anos preferiu ficar em casa. “Não fui para a escola porque ainda estou com muito medo, estava me sentindo muito mal pelo que aconteceu na sexta-feira. Não sei quando vou voltar, porque estou com medo de ir para escola e acontecer tudo de novo. Nunca vi isso, muita gente passando mal, muita gente tendo crise de ansiedade ao mesmo tempo, gente desmaiando, tinha várias pessoas desmaiadas”, declarou.
A estudante conta que tudo começou depois que uma aluna teria passado mal na escola. Em poucos minutos, o pânico se espalhou entre os demais e fez com que vários adolescentes desmaiassem e precisassem de atendimento médico. “Eu soube que uma menina estava com os batimentos cardíacos fracos, estava começando a passar mal, ficar com falta de ar, tremendo, e a escola toda soube disso […]. Minha colega da minha turma voltou do banheiro chorando, ela ficou sensível porque viu uma menina desmaiando”, afirmou a adolescente.
A aluna disse, ainda, que o número de pessoas chorando foi bem maior que o de 26 adolescentes socorridos, tendo aumentado muito rapidamente. Ela chegou a consolar alguns colegas, mas, quando souberam que havia uma ambulância do lado de fora da escola, a situação piorou.
“Tinham liberado a gente. Quando eu estava no corredor, indo para a saída, estava com muita falta de ar, muita falta de ar, estava me tremendo toda”, disse a estudante.
Uma colega da adolescente chegou a tapar os olhos dela, no caminho para a saída da escola, para que ela não presenciasse a situação de “pessoas passando mal, de várias ambulâncias, uma pessoa socorrendo a outra”.
Entretanto, ao chegar no portão da escola, indo para casa, ela começou a passar mal. Ela mora com a família em um local próximo à escola e andaria pouco tempo até chegar em casa, mas precisou voltar ao colégio.
“Comecei a passar muito, muito, muito mal. Comecei a ficar tonta, daí eu voltei, entrei na escola e eu fiquei abraçada com meu amigo e comecei a chorar muito, incontrolavelmente, e pedi para ele ligar para minha mãe, eu estava tremendo muito, muito, muito. Eu fiquei muito tonta, minha visão começou a ficar toda preta, não sabia o que estava acontecendo, e as pessoas passando mal”, declarou.
Crise de ansiedade coletiva
A crise de ansiedade desencadeou uma reação em cadeia que atingiu várias turmas da escola. Em poucos minutos, alunos de outras salas de aula começaram a gritar, e seus gritos podiam ser ouvidos pelos corredores, segundo estudantes que presenciaram o ocorrido.
Alguns fenômenos na psicologia podem ser desencadeados de forma coletiva, apontou o psicoterapeuta cognitivo-comportamental Igor Lemos. “Não é só a questão da ansiedade, mas de alguns outros tipos de adoecimento. Um dos pontos é que o ser humano possui um caráter muito intenso a nível empático. Vamos pensar, inicialmente, como uma empatia coletiva. A dor que tenho pode ser compartilhada para o outro e a dor do outro também pode ser para mim compartilhada”, afirmou o especialista, que é doutor em neuropsiquiatria.
“Se uma pessoa está com a saúde mental em dia e acaba se relacionando com uma pessoa que tem um funcionamento muito desequilibrado, ela adoece junto porque o cérebro mimetiza. Porém, de maneira coletiva, num grau como foi na escola, não é tão comum”, declarou Igor Lemos.
“Nem sempre o corpo responde de forma imediata. Às vezes, são necessários meses, anos. Estamos em uma situação que ainda não acabou, em uma pandemia. São dois anos vivenciando isso. Hoje, a gente colhe reflexos. E, digo mais, a gente vai colher reflexos além, na frente ainda”, disse o especialista.
“Eles tiveram afastamento das aulas, ensino remoto, dificuldade de compreensão. Quando você traz a pessoa de volta, gera um nível de estresse absurdo. Fora as cobranças, o aumento do desemprego, a questão da violência, movimentos políticos. O Enem, ano passado, teve o maior nível de evasão. E isso gera, sim, uma chance maior de ser um gatilho para gerar adoecimentos vinculados à ansiedade”, afirmou.
“Algumas pessoas acham que se resolve na base da porrada, mas a geração atual precisa de acolhimento. Essas pessoas buscam ajuda quando o sofrimento se torna insuportável, debilitante, estressante, uma bola de neve”, contou Igor Lemos.
“A ansiedade é um tipo de sentimento que temos, um tipo de estado de humor que está atrelada a uma relação de efeito: de luta, fuga, paralisação. A ansiedade tem relação com pensamentos de preocupação. Então, a ansiedade ela é positiva porque ela nos previne e nos organiza em relação a vários campos em nossas vidas, mas, em excesso, pode ter efeito catastrófico”, disse.