O PSDB acabou enquanto agrupamento ideológico. A opção por negar a política, abandonar conceitos liberais e aderir ao fascismo de Bolsonaro foi a negação da própria história
Anderson Pires*
Em 2013, o movimento Passe Livre deflagrou manifestações contrárias ao aumento das passagens de ônibus. O que parecia ser uma pauta específica derivou para outras bandeiras, que começaram a tomar corpo contra os políticos, corrupção e problemas na saúde e educação.
As ruas foram tomadas por manifestantes majoritariamente jovens. Gerou uma onda que parecia reflexo da vontade da maioria da população e desvinculada de partidos políticos e as tradicionais organizações sindicais e estudantis. Impulsionados pelas redes sociais, centenas de milhares de pessoas defendiam pautas difusas, que tinham como fator de unidade a antipolítica.
Desse movimento difuso e aparentemente desprovido de pretensões dentro da política institucionalizada, surgiram grupos como o MBL, o Vem Pra Rua e o Revoltados On Line. Tinham em comum uma pauta antipetista e ataques a presidente Dilma. Em pouco tempo, partidos políticos de oposição ao Governo do PT, embarcavam nas pautas desses grupos e engrossavam o coro moralista de marginalização da política.
O PSDB enxergou no movimento uma oportunidade para retornar ao poder, mesmo que para isso precisasse negar a política e até incorporar pautas reacionárias, como deslegitimar os poderes. Diante do que parecia ser o que permitiria interromper o período de poder do PT, esqueceram que também eram uma organização político-partidária e alimentaram as bases futuras do próprio fim.
Em paralelo as manifestações turbulentas das ruas, a operação Lava Jato era formatada e seria deflagrada no início de 2014, ano eleitoral e de Copa do Mundo. As denúncias feitas pelos procuradores federais de Curitiba, com o acolhimento imediato do Juiz Sérgio Moro, reforçavam as pautas dos movimentos de 2013 e abriram espaço para uma das mais duras campanhas para destruir o Partido dos Trabalhadores e suas principais lideranças.
Com o intuito de derrotar Dilma nas eleições presidenciais, os principais grupos de comunicação, junto com as mídias digitais que foram inundadas de fake news, scripts e robôs, foi possível criar um clima de aparente maioria contra o Governo do PT.
Para o PSDB valia tudo. Independente das medidas ilegais adotadas pela Lava Jato, das propostas autoritárias e anti-democráticas dos movimentos que se diziam liberais, estava claro que existia um desrespeito ao Estado de Direito e, se achassem necessário, teriam destituído a presidente por via de um golpe. Fato que veríamos posteriormente.
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Naquele momento, o PSDB acreditava já ter desgastado tanto o PT, que a derrota de Dilma para reeleição parecia certa. Acreditavam que as manifestações e atos até mesmo na abertura da Copa representavam a vontade da maioria. Esqueceram que por mais que tivessem ampliado a percepção de caos para as diversas classes, os insultos dirigidos a presidente da república em pleno Itaquerão eram de segmentos privilegiados, com condições de pagar os caros ingressos dos jogos.
Parecia o cenário perfeito: movimentos comandados por jovens brancos de classe média, o ativismo judicial em curso com a Lava Jato, grupos de comunicação bombardeando e um candidato com verniz de moderno, como Aécio Neves. O que poderia dar errado, mesmo que para isso a política fosse marginalizada e as instituições desacreditadas?
O erro não ponderado estava na maioria da população, que mesmo acuada, representava a parcela que mais sentiu as políticas implementadas pelos governos petistas. Como perguntará Mané Garrincha, “o senhor já combinou com os russos?” No caso, “os russos” era o povo, que representava a maior parte do eleitorado brasileiro. Esqueceram que mesmo com toda uma conjuntura forjada para depor do poder um grupo político que chegou legitimamente, eleição ganha-se quem tiver mais votos.
As eleições de 2014 foram disputas voto a voto. No final, Dilma Rousseff foi eleita. Aécio Neves chegou a comemorar vitória cercado pela burguesia global. Logo depois, o PSDB deixou de lado toda sua história e resolveu ir ao limite antidemocrático, quando questionou o processo eleitoral. O fim do partido como representante neoliberal democrata foi decretado quando negou a política como mecanismo de construção social e a democracia como modelo de governo.
Coerente com o novo papel de negação a política, trabalhou arduamente para desestabilizar o governo Dilma e participou ativamente de todo processo que culminou no golpe pela via de um impeachment fraudado.
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Não bastasse o caminho golpista, o PSDB foi alvo do mesmo moralismo que propagou e seu quadro mais expoente, Aécio Neves, foi denunciado por envolvimento em esquemas com a JBS. O partido que antes era considerado o principal contraponto ao PT, que tinha um projeto nacional claro, foi reduzido a legenda de aluguel despolitizada. Pra uma instituição que antes tinha FHC, Zé Serra e Covas como referências, foi reduzido ao discurso demagógico elitista de João Doria, dobradinhas com Jair Bolsonaro e flerte com o fascismo.
O PSDB acabou enquanto agrupamento ideológico. A opção por negar a política, abandonar conceitos liberais e aderir ao fascismo de Bolsonaro foi a negação da própria história. Para um partido que foi criado com a pretensão de ser a opção de direita de viés liberal no Brasil, acabar como um amontoado de arrependidos e ressentidos é um fim dos mais deprimentes. Talvez seja pouco. Afinal, não existe castigo que apague a função de auxiliar do bolsonarismo.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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