Gestão federal na pandemia, desemprego e limitações na educação estimulam aqueles com 16 a 17 anos, que já tiraram o título ou pretendem tirar, a votar neste ano. Segundo o TSE, pouco mais de 1 milhão de jovens já se cadastraram. Mas o engajamento ainda pode ser o mais baixo já registrado
Clara Assunção, RBA
Perto do prazo final para emissão do título de eleitor, a jovem Ashaly Larissa Silva Rodrigues, de 17 anos, anseia por usar seu documento desde novembro do ano passado. Antes mesmo da mobilização que vem tomando conta das redes para estimular os jovens a votar pela primeira vez, puxada por influenciadores, artistas e entidades estudantis contra o governo Bolsonaro, a estudante da rede pública do estado de São Paulo conta ter participado de um mutirão organizado à época pelos próprios alunos de sua escola, que reservaram a sala de informática para auxiliar os colegas de 16 a 17 anos que quisessem emitir o título.
A mobilização, segundo ela, foi imediata. “Todo mundo está bem ciente do governo atual, do que acontece. Quando me falaram ‘vamos tirar o título de eleitor’, eu falei ‘bora’. Tirei meu título porque quero dar meu voto para tirar o Bolsonaro”, explica.
Fique por dentro: Como o “voto jovem” pode influenciar as eleições deste ano
Ashaly tinha apenas 13 anos quando Jair Bolsonaro foi levado ao cargo de presidente da República. A falta de lembrança daquele 2018 deu lugar a um governo que, para ela, tem a “cara da desigualdade” que avista todos os dias no portão de sua escola na região central da capital paulista: os vários moradores em situação de rua encostados na mureta da instituição. “Uma coisa que infelizmente se tornou ‘normal’ de ver”, descreve.
“Você passa e vê pessoas deitadas no chão, dormindo, às vezes comendo. E aumentou bastante, porque antes da pandemia, por mais que tivesse, não eram tantas pessoas. Tinha dia que não víamos ninguém. Mas agora até quando chove as pessoas continuam lá, justamente numa parte que alaga, mas elas não têm para onde ir. (…) E muitas tinham uma casa, condições. E possivelmente muitas que foram parar nessa situação votaram no Bolsonaro, acreditando que iam conseguir melhorar de vida, quando, na verdade, pioraram. Claro que não dá para a gente não falar que a culpa é da pandemia, mas o governo devia estar preparado para dar um suporte. Teve o auxílio emergencial, mas não foi no começo. O que acontecia com as pessoas que no começo não tinham nada?”, contesta Ashaly.
Pesquisa mostra insatisfação
A gestão do governo federal durante a pandemia de covid-19, que tirou a vida de mais de 662 mil brasileiros, também é lembrada pela estudante de uma escola particular da zona norte paulistana, Mariana Oliveira, que se alistou, aos 16, no começo deste ano. “Com a situação do país eu decidi tirar (o título de eleitor) logo. O Bolsonaro não dá mais”.
“O ponto mais negativo não só para mim, mas para todo o país, foi o começo da pandemia. Ele (presidente) falar que não era nada, apenas uma gripe, nem ligando para a situação. Até hoje, na verdade, ele é o que menos mostra se importar e, para mim, essas atitudes do começo que fizeram o Brasil chegar à situação que está hoje, com esse monte de mortes”, afere a jovem.
A mobilização crítica ao chefe do Executivo por parte do eleitorado jovem também é percebida pela organização Quid, um laboratório de comunicação para casos progressistas que, desde fevereiro, pesquisa o que motiva ou não a juventude a participar do processo eleitoral. De acordo com o levantamento, divulgado com exclusividade para a Rede Brasil Atual, os adolescentes de 16 a 17 anos que escolheram se alistar e participar das eleições em outubro fazem com o voto uma leitura de mudança.
Impactos do governo
Mesmo alegando não entender muito de política, Gleice Gonçalves, de 16 anos, que estuda numa instituição pública da zona oeste de São Paulo, também defende o voto “como crucial para tentar reverter o atual cenário do país”, que a preocupa principalmente pelos problemas de educação pública e crise econômica. “Sinto que fiquei um pouco defasada por causa da pandemia (na escola) e a educação do ensino público já não era boa. Também houve um aumento de tudo (preços), gasolina, alimentos. Isso impactou bastante a vida da minha família. Meu irmão, no início da pandemia, estava trabalhando, mas a empresa teve que cortar gastos. Ele foi demitido e ainda não conseguiu arrumar um emprego fixo”, conta ela sobre o primogênito da família. Ele tem 21 anos e é estudante de Engenharia Civil.
A Diretora de Inteligência da Quid, Maíra Berutti, responsável pela pesquisa, destaca como “o ponto alto da rejeição de Bolsonaro” o modo como o presidente lidou com a pandemia e suas consequências. “Tem alguns alguns olhares possíveis que se refletem nas coisas que impactaram no dia a dia desses jovens”, chama atenção a comunicóloga e especialista em Pesquisa de Mercado em Comunicações, pela Universidade de São Paulo (USP).
“É uma característica de fato dessa geração buscar mudanças, então, tem muita insatisfação em relação ao governo e enxergando o voto como um instrumento para essas mudanças se efetivarem na vida deles”, completa.
O estudo ouviu adolescentes de 16 a 17 anos que não debatem política no dia a dia, em seis grupos de discussões em São Paulo e Recife, todos eles da classe C. Apesar do recorte, o levantamento também encontrou fatores universais que explicam ainda a baixa participação desse grupo registrada até o momento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Afastamento eleitoral
A pouco menos de duas semanas do prazo final para emissão do título, – que se encerra no dia 4 de maio –, 1.1051.184 jovens estavam cadastrados para votar. O que representa 17,1% dessa população. Houve um salto de quase 100 mil novas solicitações apenas no final de março devido às campanhas na internet. Mas a participação desse eleitorado no total de pessoas aptas a votar ainda pode ficar abaixo de 1% pela primeira vez.
De acordo com Maíra, as respostas encontradas na pesquisa apontam para três principais motivos que desmobilizam a juventude. O primeiro deles, uma insegurança motivada por uma baixa estima política. “Eles dizem que não se sentem preparados, que não estão prontos para assumir um peso ou que não têm conhecimento suficiente”, relata.
Aos 17 anos, a também estudante da rede pública paulistana Júlia Moreira decidiu que não participará desse pleito. Mesmo insatisfeita com o governo Bolsonaro e se identificando mais com setores à esquerda, ela quer esperar completar 18 anos, quando o voto é obrigatório, para exercer sua escolha. “É super importante votar, mas eu ainda não me sinto segura. Eu já tinha conversado isso com meus pais e meu primo, e a maioria das pessoas mais velhas que eu conheço votaram na maioridade. Há outras formas de exercer a política, além de votar”, argumenta.
Na pesquisa, “evitar tomar um partido” também aparece como justificativa para a decisão de não se alistar neste ano. É o caso de adolescentes que têm opiniões divergentes de seus pais ou responsáveis e que preferem se distanciar do processo político para evitar conflitos, inclusive porque dependem desses adultos para ir votar.
O peso do voto jovem
A pesquisadora lista ainda que os próprios amigos podem influenciar nesse comportamento quando mais incisivos sobre suas escolhas. “Eles acham que, ainda que o voto seja secreto, eles vão ter que acabar cedendo à pressão de contar em quem votaram”. Mas o ceticismo em relação à política institucional também é um subterfúgio para aqueles adolescentes que escolheram não votar. “Porque eles não acreditam que algo vai mudar. Há um ceticismo com relação aos candidatos e à classe política como um todo”, comenta a pesquisadora.
Nesse pleito em particular, contudo, pesa ainda a pandemia de covid-19 que, segundo o estudo, também tem influência sobre o baixo engajamento. “Estamos falando de jovens que estão lidando com o luto no dia a dia, uma série de situações econômicas que acabaram impactando na vida desses adolescentes. Então tem esse contexto macro que faz com que a política apareça na vida deles muito mais como peso do que uma solução para resolver esses problemas”, discorre Maíra.
Apesar da conjuntura, a Quid explica que o voto dos jovens pode ter peso para decidir a eleição. A organização trabalha com a meta ousada de, até o dia 4 de maio, alcançar a mesma participação desse grupo na eleição de 2002, quando pouco mais de 2,2 milhões de adolescentes foram cadastrados, o equivalente a 30% da população da idade. Maíra avalia que com a mobilização de diferentes atores e influenciadores, nos canais de conteúdo já consumidos por essa fatia da população, será possível ao menos se aproximar da meta. “Tivemos eleições muito acirradas. O voto de dois milhões de jovens pode sim fazer a diferença”.
As campanhas
A impressão da pesquisadora é compartilhada pelo sociólogo Linoberg Barbosa de Almeida, professor adjunto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e ex-vereador de Boa Vista (2016-2020) pela Rede Sustentabilidade. Para Almeida, a possibilidade de emitir o título de eleitor de forma virtual tornou o processo mais simples e rápido. E a divulgação de campanhas, estimulando a participação, além da circulação do tema pelo debate público, tornaram maiores as chances das pessoas se alistarem, ainda que perto da data limite.
O sociólogo pondera, no entanto, que as campanhas institucionais comunicando a importância do voto, intensificadas pelo próprio TSE, ocorreram tardiamente. Sua análise é de que o tribunal acaba “repetindo o erro do jogo político eleitoral” ao aparecer com mais força apenas perto da eleição.
“Não tem uma campanha permanente”, reprova Almeida. “Precisamos entender que para acessar o coração desse jovem, ele está querendo falar, ou pelo menos que alguém converse com ele, sobre machismo, racismo, saúde mental, desemprego e privacidade. O que ele vai ser quando crescer, ou quando é que ele vai crescer. E não (o TSE) aparecer antes, faltando dois meses (do prazo), para dizer que o jovem tem que ir à urna para poder cumprir a meta’. São coisas diferentes, colocar uma hashtag na frente de uma ideia não significa legitimá-la”, garante o professor.
A juventude ontem e hoje
A cientista política Maria do Socorro Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e especialista em Instituições e Comportamento Político, lamenta que a participação dessa faixa etária, conquistada na Constituição de 1988, esteja em queda cada vez mais rápida. Antes de sua promulgação, adolescentes de 16 a 17 anos eram excluídos do sistema eleitoral. Mas a pressão do movimento estudantil garantiu o direito ao voto facultativo a esses jovens que, em 1992, somaram 3,2 milhões de requisições do título de eleitor para o pleito municipal.
“Em termos de inclusão no sistema político, podemos dizer que o Brasil, consideravelmente, ampliou muito a cidadania do ponto de vista oficial”, lembra a cientista política. Atualmente Maria do Socorro diz ver influência do processo de negação da política institucional, incentivado por partidos à direita, para a baixa de interesse. Mas ela também relaciona esse processo à desmobilização da esquerda, historicamente mais ligada à juventude.
“O próprio movimento estudantil, de um cinco anos para cá, está muito fragmentado e não tem essa organicidade que tinha anteriormente e que conquistava essas pautas mais gerais”, comenta.
A presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Rozana Barroso, diz não concordar com uma menor participação. “Mesmo com o distanciamento causado pela pandemia, tivemos grandes mobilizações com amplo engajamento da juventude, como o projeto de ‘Pobreza Menstrual’, adiamento do Enem, vacinação dos adolescentes, entre outras. A Ubes lançou a campanha ‘Se liga, hein’ incentivando os jovens a tirarem o título de eleitor”, detalha.
Inclusão de fato
Deputada federal mais jovem da bancada do PT, Natália Bonavides (RN) concorda, no entanto, que a participação da juventude nestas eleições também deve ser levada em conta do ponto vista dos candidatos e candidatas, isto é, na representatividade institucional.
“Dentro do Partido dos Trabalhadores a gente faz um movimento ativo para incentivar e fomentar candidaturas jovens. E a gente espera inclusive que, a partir dos vários mandatos que foram conquistados nas eleições municipais com esse perfil, a gente possa ver a ampliação nas eleições deste ano para a Câmara dos Deputados, o Senado e as Assembleias Legislativas (estaduais)”.
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Esse é também o foco que defende a professora de Ciência Política e Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI) Olívia Cristina Perez. Coordenadora de pesquisas sobre coletivos de juventudes, ela garante que o fato de parte dos jovens brasileiros não estarem incluídos no campo dos direitos também ajuda a entender o desinteresse pela política partidária.
“Quando você coloca jovem e política no Google, as reportagens remetem sempre à falta de interesse dos jovens. Quando são eles que estão alargando a nossa concepção do que são desigualdades, como mitigá-las, e quais os espaços políticos que a gente deve prestar atenção para reduzir as desigualdades. Eu vi o tuitaço do TSE para os jovens participarem da política. Mas eu me pergunto quando aqueles homens brancos e velhos vão incluir de fato as juventudes nas decisões. É aí que tem mudar”, garante.
Do contrário, de acordo com os cientistas políticos ouvidos pela reportagem, a tendência é de envelhecimento da população e a não renovação do interesse pela democracia liberal.
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