Bolsonaro quer porque quer provar que está certo ao dizer que o sistema que o elegeu – e elegeu também o bancada do centrão que agora o apoia – é um perigo e está nas mãos do inimigo. O modus operandi do bolsonarismo para transformar uma mentira repetida diariamente em verdade já foi utilizado outras vezes. O roteiro é o mesmo que levou à carnificina pandêmica
Matheus Pichonelli, Yahoo
O modus operandi do bolsonarismo para transformar uma mentira repetida diariamente em verdade está testemunhado no vídeo do treinamento da médica Mayra Pinheiro, mais conhecida como Capitã Cloroquina, às vésperas de seu depoimento para a CPI da Covid, há cerca de um ano.
Àquela altura, ninguém que levava a sério o próprio diploma ou o juramento de Hipócrates acreditava na cura milagrosa divulgada por Jair Bolsonaro e outros terraplanistas sanitários a respeito do chamado kit Covid –conjunto de medicamentos ineficazes vendido como solução pelo governo disposto a convencer a população a sair de casa sem medo de contaminação ou impossibilidade de cura.
Um inquérito da Polícia Federal para investigar como ele acessou informações sigilosas vazadas durante uma live mostra que ele tinha suas próprias “Capitãs Cloroquinas” escaladas para provar sua tese.
A Folha de S.Paulo revelou que a ofensiva contou com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e generais instalados no governo, como Luiz Eduardo Ramos (Secretaria Geral da Presidência) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).
Eles basicamente assediavam servidores em busca de indícios que se mostrassem úteis para atestar supostas falhas no sistema. As “provas” alardeadas pelo presidente nunca foram apresentadas. Não foram porque eram baseadas em lorotas.
Aberta pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes (não por acaso, declarado inimigo número 1 do presidente), a investigação da PF demonstra a disposição do entorno bolsonarista em atendê-lo em sua obsessão de melar as eleições de 2022.
O roteiro é o mesmo que levou à carnificina pandêmica.
A apuração mostra também os riscos assumidos pelo então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luís Roberto Barroso ao chamar um representante das Forças Armadas para compor um tal conselho de transparência das eleições.
Bolsonaro não se preocupou sequer em disfarçar sua intenção viral num Cavalo de Tróia. Ele entendeu que o convite se estendia a ele e convocou seu secretário da Defesa a assumir o posto. Ou seja: o candidato à reeleição quer um subordinado instalado no colegiado responsável por atestar uma disputa que lhe interessa e que tenta melar desde o primeiro dia de mandato.
A casca de banana ganhou holofotes depois que o próprio ministro da Defesa cobrou que o TSE divulgasse seus questionamentos à segurança do sistema.
A ideia era constranger a corte, mas o tiro, até aqui, saiu pela culatra.
Em uma das respostas encaminhadas, o TSE precisou explicar aos fardados que a sala escura para apuração de votos, vira e mexe citada pelo presidente em seus discursos, só existem na cabeça do seu comandante-em-chefe.
Em outro trecho, os técnicos demonstraram que as Forças Armadas confundem os conceitos de erro amostral e risco de amostragem ao questionar o nível de confiança do teste de integridade das urnas.
Ao todo, o TSE negou 3 das 7 sugestões apresentadas pelos militares e explicou que as demais já estavam em prática.
Por delicadeza, evitou pedir aos questionadores que cuidassem da segurança das fronteiras enquanto eles se dedicavam à segurança das urnas –como tem acontecido desde 1996.
As respostas expuseram quem entende do que em cada assunto. Falta saber se os destinatários querem respostas ou se estão lá apenas para fazer o jogo do presidente em direção ao caos –aliás, como já anunciava o próprio Barroso.
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