Economia

“Picanha no Brasil está metade do preço do Canadá”, diz Bolsonaro ao justificar inflação

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Bolsonaro faz malabarismo para distorcer custo da picanha e tenta isentar o governo de responsabilidade sobre a inflação. Presidente diz ter conversado com apoiadores que moram em outros países: “Picanha no Brasil está metade do preço do Canadá”. Professor rebate: “O povo brasileiro não recebe em dólar e salário mínimo canadense vale R$ 8.300”

Enquanto o brasileira tenta se virar com pão com ovo, Bolsonaro já fez churrasco com picanha especial que custa R$ 1.799 o quilo (divulgação)

Leonardo Sakamoto, em seu blog

Bolsonaro voltou a minimizar o custo de vida e a inflação. Desta vez, afirmou que a picanha no Brasil é metade do preço praticado no Canadá. Valendo-se da falta de conhecimento de seus seguidores sobre o que é poder de compra, basicamente converteu tudo para real e comparou valores. O que não faz sentido, pois ignora que o tempo trabalhado lá para poder fazer um churrasco é menos do que aqui.

Em conversa com bolsonaristas na porta do Palácio do Alvorada, nesta quarta (11), repetiu a justificativa quem tem usado para se isentar de responsabilidade ao dizer que preços estão aumentando no mundo inteiro. E usou o exemplo da picanha e dos combustíveis.

Na sequência, seguidores passaram a postar fotos de pacotes de carne nas redes sociais para “provar” o ponto do “mito”. O dólar canadense está em cerca de 4 reais.

Em São Paulo, o preço de um quilo de picanha pode ser encontrado por 67 reais, na média de três estabelecimentos consultados. Considerando que o salário mínimo no Brasil é de 5,51 reais/hora, uma pessoa precisa trabalhar mais de 12 horas para comprar um quilo se ganha o salário mínimo.

Já em Toronto, o preço de um quilo de top sirloin cap (corte semelhante à picanha) pode ser encontrado por 28,50 dólares canadenses, na média de três estabelecimentos consultados. Considerando que o salário mínimo federal no Canadá é de 15,55 reais/hora, uma pessoa precisar trabalhar menos de 2 horas para comprar um quilo se ganha o salário mínimo.

É mais difícil um trabalhador comprar um quilo de carne em São Paulo do que em Toronto. Ainda mais porque Jair Bolsonaro parou de aumentar o salário mínimo, repondo apenas a inflação. Ou nem isso: reportagem do jornal O Globo trouxe estimativa de que, descontada a inflação, a perda de poder de compra do salário mínimo ao fim de seu governo será de 1,7%.

O ministro da Economia Paulo Guedes culpou a covid-19 (que chegou em 2020) e a guerra na Ucrânia (2022) pela falta de aumento real do salário mínimo do governo de Jair, que começou em… 2019.

Militares e picanha

Em 2020, deputados do PSB já haviam protocolado uma representação na Procuradoria-Geral da República por compra de 714,7 toneladas de picanha pelas Forças Armadas. Desse total, o Exército foi responsável por 569,21 toneladas.

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), realizada pela Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas e divulgada pela Folha de S.Paulo, em dezembro do ano passado, apontou que o Ministério da Defesa usou 535 mil reais que seriam destinados ao combate à covid-19 na compra de picanha e filé mignon.

Os recursos faziam parte da rubrica orçamentária “21C0 – Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional decorrente do coronavírus”.

Somada a essa festa da fruta com dinheiro público em um contexto de fome crescente, reportagem da Folha de S.Paulo, desta quinta (12), apontou que os militares escaparam do aperto salarial pela qual passou o resto do funcionalismo sob Bolsonaro.

Houve uma queda de 8,4% no gasto do Poder Executivo com servidores civis da ativa de 2018, ano anterior à posse de Bolsonaro, até 2021. Enquanto isso, os militares da ativa custaram 5,7% a mais no período.

Numa crise econômica que transformou carne em produto de luxo, quem não faz parte do povo escolhido de Jair, se vira com o que pode. Mas até o pão com ovo está ficando impraticável com a alta do preço do óleo de soja, do pão francês e do gás de cozinha registrado no IPCA de abril. O máximo que a maioria da população vai chegar perto de uma picanha será um McPicanha – que, como o governo, faz propaganda enganosa.