Quais seriam os pecados que os comunistas teriam cometido que justificariam ataques e uma postura antidemocrática de não aceitar questionamentos ao voto em Lula no primeiro turno?
Anderson Pires*
O comunismo no Brasil serviu de justificativa falsa para golpes à democracia. O pretexto foi utilizado por Getúlio Vargas em 1937, com a criação do Estado Novo. Em 1964, foi a vez de os militares implantarem a ditadura, com a desculpa de que o Governo de João Goulart representava uma ameaça comunista. Como se o comunismo fosse algo nocivo ao povo. Na verdade, nas duas situações, os golpistas estavam alinhados ao nazifascismo e a interesses americanos, respectivamente.
Em toda a história brasileira, a perspectiva de implantação do comunismo foi uma farsa utilizada para golpes. Como diz uma velha piada: o mais próximo que o Brasil chegou do comunismo foi quando jogou com a União Soviética na Copa de 58.
Porém, por mais evidente que seja a impossibilidade da implantação de governos de esquerda ou extrema esquerda no Brasil, sempre que é conveniente o fantasma vermelho, com foice e martelo, serve de justificativa para o jogo sujo da política, que tenta exterminar direitos e reduzir o papel do Estado no atendimento à população.
Grande parte dos fanáticos por Bolsonaro utiliza dessa falácia para a defesa insana que fazem do “mito” e da quebra da institucionalidade entre os poderes. Entre fechar o Congresso e o STF oscilam sempre que algo lhes parece contrário à doutrina fascista que seguem. Além disso, chavões como “o Brasil vai virar uma Venezuela”, “minha bandeira jamais será vermelha” e “vai pra Cuba” são parte do repertório anticomunista adotado. Até quem sempre esteve atrelado ao capital, como a Rede Globo, pode virar alvo, caso questione atos e falas do presidente. Quando acham pouco, transformam o fanatismo em xingamento, com um sonoro: “comunista safado”.
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Em parte pela ignorância, mas, principalmente, por moralismo e falta de caráter, a extrema direita tenta transformar uma ideologia em reflexo de exemplos malsucedidos de governos identificados como comunistas. Pior ainda quando quem absorve o discurso reacionário são pessoas pobres que imaginam ter alguma proteção garantida pelo capitalismo e fazem coro ao discurso de que o comunismo lhes seria nocivo.
Esse discurso é praxe entre a base bolsonarista e bravateiros como João Doria. Usam desse artifício na falta de argumentos para justificar medidas neoliberais, ataques a direitos trabalhistas e redução de políticas públicas que atendam à população, principalmente os segmentos mais vulneráveis.
Mas em tempos de disputa eleitoral, com embates pesados sobre a reeleição do presidente Bolsonaro, sobram posições contrárias aos comunistas, marxistas e militantes de esquerda que não se sentem contemplados pela candidatura de Lula no primeiro turno. Se os ataques da direita são corriqueiros, os lulistas não são menos incisivos quando alguém afirma ter como opção candidatos de outros partidos de esquerda.
Ainda mais duros são os ataques quando alguém que detenha audiência nas mídias questiona o voto em Lula. Os adjetivos vão de irresponsável a vendido. Afirmam que não se pode aceitar qualquer posição diferente de votar no candidato do PT, que isso configuraria ajuda para Bolsonaro se eleger. Devem usar alguma regra matemática estranha, como se esquerda mais esquerda desse como resultado extrema direita.
Não é lógico afirmar que alguém que exige de Lula uma defesa enfática de quebra do projeto neoliberal, ou se oponha a Geraldo Alckmin como vice na chapa, estará de alguma forma ajudando a eleição de Bolsonaro. Mais difícil ainda imaginar que alguém que esteja à esquerda, em um eventual segundo turno, faça opção por um voto na extrema direita.
Então, quais seriam os pecados que os comunistas teriam cometido que justificariam ataques e uma postura antidemocrática de não aceitar questionamentos ao voto em Lula no primeiro turno? É algo semelhante a dizer: sou democrata, desde que seu voto seja no candidato que considero a única opção aceitável. Claro que esse tipo de postura virá acompanhada de um discurso enlatado de que o perigo da reeleição de Bolsonaro é colocar a democracia em risco e manter o avanço do desemprego e da fome.
Ora, caso o presidente seja reeleito em primeiro turno, não será em decorrência dos votos da esquerda. A única possibilidade de isso acontecer é se os setores da direita que Lula priorizou para ampliar sua base não se converterem em votos e o eleitorado reafirmar a opção por um governo fascista, atolado em problemas e flagrantes ataques à democracia. Por mais absurda que pareça, será uma escolha da maioria.
Digo mais, na hora em que setores da esquerda questionam Lula, deixam mais claro que ele está longe de qualquer extremismo de que os bolsonaristas o acusam. Indiretamente, aproximam a sua candidatura de eleitores de centro-direita que ainda possam ter resistências e preconceitos ao PT.
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Mas em resposta à questão inicial, o medo vem do maior dos pecados cometidos pelos comunistas: mostrar as contradições no discurso de quem vota em Lula. O incômodo está no fato de explicitar que não há um projeto de esquerda. O ódio vem dos recalques por aceitarem lava-jatistas, golpistas e neoliberais na aliança com o PT e ainda terem de engolir o chuchu opus Dei, Geraldo Alckmin, como vice-presidente.
Algo que não deveria incomodar. Porque quem defende pautas à esquerda também está no campo contrário a Bolsonaro. A diferença está no fato de que no primeiro turno darão o voto por identidade programática e ideológica, não por mero pragmatismo. Para melhor ilustrar, essa raiva expressa pelos lulistas em relação a quem está à sua esquerda é como aquele cara machão que não tem coragem de sair do armário, mas se alguém disser que ele deu pinta, a reação será a mais violenta possível, para reafirmar sua condição de heterossexual.
Também sou eleitor do Lula, mas tenho clareza de que não estou votando numa candidatura de esquerda. Sei muito bem todas as incoerências presentes nas composições que vem fazendo pelo Brasil, como também os malabarismos que tem feito para não mexer com temas que acendam o debate conservador que inflama os fascistas. O voto é pragmático para derrotar Bolsonaro. Porém, não preciso adotar um discurso autoritário e antidemocrático em relação a quem vota diferente de mim, muito menos arrumar justificativas para que as demais opções de esquerda sejam exterminadas.
Vale lembrar que teremos um processo eleitoral. Para quem defende a democracia como maior motivo para um voto em Lula, soa estranho querer que militantes ou simpatizantes de partidos como PCB, PSTU e UP meçam as palavras para questionar divergências e votem nos seus respectivos candidatos. As partes da sociedade devem ter seu direito de expressão social defendido como princípio. Tratá-los como inimigos é pautar a política de forma maniqueísta e plebiscitária.
Como dizemos no Nordeste, não se pega a galinha dizendo xô. Tenho certeza que os militantes de esquerda que não votarem no Lula no primeiro turno, votarão e irão às ruas no segundo turno. Esse negócio de viagem a Paris é coisa de burguês, não de comunista.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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