Movimento contra Anitta e Lei Rouanet custou caro? A avaliação de colegas do meio sertanejo é de que Zé Neto deveria ter ficado quieto. Cantor iniciou uma guerra que não pôde sustentar, pois tem telhado de vidro. Revelação de que sertanejos se esbaldam com milhões de dinheiro público de prefeituras faz crescer pressão por CPI
A exposição de contratações milionárias de cantores sertanejos com dinheiro público por prefeituras de cidades pobres tem causado desconforto em artistas do gênero musical.
Em condição de anonimato, um produtor de uma famosa dupla sertaneja de Goiás conversou com o Pragmatismo sobre as recentes polêmicas. “Na realidade, tudo começou quando o Zé Neto provocou Anitta nos shows. Ele foi aplaudido e se sentiu encorajado. Ela [Anitta] não faz muito sucesso na nossa bolha, acontece que o público dela é imenso e talvez ele não tenha percebido a dimensão”, disse.
Questionado sobre o pano de fundo político que cerca a polêmica, o produtor afirma: “Não sei se essa história tem a ver com Bolsonaro e Lula. Todo mundo sabe que no meio sertanejo há mais afinidade com o Bolsonaro, mas não acho saudável que artistas de diferentes estilos musicais fiquem se atacando publicamente, fazendo campanha de ódio uns contra os outros. Há espaço para todo mundo, e no final quem perde são os próprios músicos, inclusive os que não tiveram nada a ver com a confusão”.
À medida em que se espalha a informação de que muitos músicos sertanejos são bancados com dinheiro público de prefeituras, cresce um movimento nas redes pela abertura de uma ‘CPI dos Sertanejos’. O assunto ficou entre os mais comentados nas redes sociais na quinta e na sexta, assim como os nomes de Gusttavo Lima, Zé Neto e Sérgio Reis.
“Quando Zé Neto critica Anitta, não é para chamar atenção, é uma mensagem política que dialoga com um grupo de pessoas que a perseguem por fazer uma tatuagem [no ânus] como a que ela fez. Ele puxou um movimento político contra ela e não aguentou porque tem teto de vidro. Ele deveria ter estudado a própria história antes de falar. Se queimou e agora todos estão com medo de ter seus contratos de shows públicos expostos”, diz a jornalista Aline Ramos, do Splash.
Entenda o caso
Há duas semanas, Zé Neto criticou Anitta e a Lei Rouanet durante uma apresentação na cidade de Sorriso, no Mato Grosso. Mas o jornalista do UOL, Demétrio Vecchioli, descobriu que o show foi bancado pela prefeitura e custou R$ 400 mil aos cofres públicos. A investigação também apontou contratos com outras prefeituras, como Extrema (MG), no valor de R$ 550 mil; Sebastianópolis do Sul (SP), com R$ 403 mil e Aruana (GO), na cifra de R$ 320 mil. Tudo com dinheiro público, do contribuinte.
Esses contratos não exigem licitação ou pregão, já que há a impossibilidade de competição, devido à exclusividade do objeto a ser contratado. Ou seja, a prefeitura contrata o show daquele artista, em negociação direta.
A partir daí, internautas seguiram na investigação e apontaram outros cachês astronômicos de famosos. O cantor Gusttavo Lima, por exemplo, receebeu R$ 800 mil da prefeitura de São Luiz (RR). Vale destacar que a cidade é pobre, tem apenas 2 hotéis e sua população é de 8 mil habitantes.
O Ministério Público de Roraima instaurou um procedimento para averiguar o caso. De acordo com a Promotoria de Justiça da Comarca de São Luiz, um ofício foi encaminhado para o Município, solicitando informações a respeito da “contratação, de como os recursos foram arrecadados e também se haverá retorno para a Municipalidade”.
Já no município de Magé, o contrato com Gusttavo Lima foi fechado em mais de R$ 1 milhão — o que deixou moradores revoltados (veja aqui).
Lei Rouanet
Essa não é a primeira vez que os sertanejos criticam a Lei Rouanet. Assim como Bolsonaro, os artistas afirmam que a legislação beneficiaria artistas “de esquerda” com dinheiro público. Mas não é bem assim.
A Lei 8313, conhecida como Rouanet, é o principal mecanismo de fomento à Cultura no Brasil e impulsionador da produção das atividades criativas. Por meio dela, empresas e pessoas físicas podem patrocinar espetáculos – exposições, shows, livros, museus, galerias e várias outras formas de expressão cultural – e abater o valor total ou parcial do apoio do Imposto de Renda.
Para arrecadar o dinheiro, é preciso apresentar um projeto cultural na Secretaria Especial de Cultura. O órgão vai fazer uma análise de viabilidade técnica e orçamentária do projeto. Ou seja, ocorre uma avaliação da coerência da proposta, das cifras estimadas e da conformidade com a legislação. Com a aprovação da Secretaria, o responsável é autorizado pela captação de recursos, diretamente com os patrocinadores.
O responsável pelo projeto precisa gastar o dinheiro captado de acordo com o orçamento aprovado pela Secretaria. A legislação prevê inclusive certos limites para cada rubrica (cada linha do orçamento), de modo que não é possível pegar todo dinheiro e gastar com apenas um artista.
Para concluir o processo, o responsável precisa fazer uma prestação de contas dos gastos, informando como o recurso foi utilizado, apresentando uma planilha de gastos e notas fiscais.