Última operação de Bruno Araújo enfureceu garimpo ilegal e fez governo Bolsonaro impedir outras grandes ações. Ao afastar Bruno e apoiar os criminosos, governo colocou um alvo na testa do indigenista
Carlos Madeiro, em seu blog
Em 13 de setembro de 2019, quando ainda era coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai), Bruno Araújo Pereira coordenou uma megaoperação no sudoeste do Amazonas que resultou em perdas consideráveis ao garimpo ilegal.
Quinze dias depois, Bruno foi demitido do cargo de coordenador geral. A operação foi um divisor de águas na mudança de rumo da política da Funai. O órgão não realizou mais nenhuma grande ação na região, que sofre também com invasões de caçadores e pescadores ilegais, além de madeireiros e até narcotraficantes.
Bruno e o jornalista Dom Phillips estão desaparecidos desde o domingo (5), após serem vítimas de uma provável emboscada no rio Itaquaí por integrantes de pesca ilegal.
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Ação e reação
A operação Korubo reuniu cerca de 60 agentes da Funai, Polícia Federal e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e enfraqueceu o garimpo na área com a destruição de 60 balsas que atuavam ilegalmente no rio Jandiatuba. A área fica dentro da Terra Indígena Vale do Javari, onde vivem 19 povos indígenas isolados —o nome Korubo faz referência a um destes povos.
Depois da operação, os garimpeiros aumentaram a pressão sobre a Funai, articulando um lobby pela demissão de servidores que estavam comandando ações desse porte na Amazônia —o que incluía Bruno e servidores de outro órgãos, como Ibama e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O Uol perguntou à Funai se a demissão de Bruno foi motivada pela operação, mas o órgão não respondeu. Apenas alegou que “os cargos em comissão e as funções de confiança são de livre nomeação e exoneração por parte do gestor”.
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Segundo entidades da região, Bruno foi exonerado do cargo de coordenador-geral por perseguição, justamente por ter atuado pela proteção ao Vale do Javari. Após deixar a função, ele reassumiu o cargo efetivo de agente de indigenismo. Ao perceber que a Funai não iria mais atuar na defesa dos indígenas da região, ele pediu licença sem vencimentos em 29 de janeiro de 2020, para atuar na proteção de indígenas fora do órgão.
Garimpeiros enfurecidos
A coluna teve acesso a vídeos dos garimpeiros da região, que reclamaram de uma suposta truculência durante a operação Korubo e da destruição dos barcos.
“Eles estão no direito deles, mas humilharam todo mundo, colocaram todo mundo quase pelado, jogaram as coisas do outro lado do rio. Tivemos de atravessar o rio nadando”, conta um dos garimpeiros que perdeu a balsa queimada pelos agentes do governo.
Em outro vídeo, garimpeiros vão até o local onde as balsas foram queimadas para conferirem a destruição. O vídeo, publicado no YouTube, é repleto de mensagens de apoio aos garimpeiros.
“Muito triste ver essa cena”, diz um deles. “O Brasil tem muito a aprender”, diz outro. “Sonhos queimados e esperanças resumidas a cinzas”, afirma um segundo usuário. “Infelizmente esse sistema corrupto assola nosso país”, comenta outra pessoa.
Reuniões com o governo
Em 16 de setembro de 2019, três dias após a operação no Javari, representantes do garimpo foram recebidos pelos então ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, além de outros integrantes do governo. Um segundo encontro foi marcado para o dia 8 de outubro, com a participação do então ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas.
Uma carta obtida pela coluna prova que eles iriam se reunir e até adiaram o encontro marcado pare que Freitas participasse. A coluna não conseguiu confirmar se a reunião realmente aconteceu.
O grupo era liderado por garimpeiros da região do Tapajós, no Pará, que também tiveram maquinário destruído por atividades em terras indígenas e chegaram a fechar por quatro dias a BR 163 em protesto contra a intensificação das fiscalizações na área.
Entretanto, os pedidos dos garimpeiros foram além da área e incluíram toda a Amazônia.
Hoje, um projeto que está parado na Câmara tenta liberar as atividades em terra indígena —o que é reprovado até pela entidade oficial da mineração no país.
Sem Bruno, sem grandes ações
Depois da saída de Bruno Pereira, a coordenação dos indígenas isolados foi entregue ao pastor Ricardo Lopes Dias, que tinha trabalhado em uma missão evangelizadora americana criticada por caciques do Amazonas.
Foi a partir desse momento que, segundo alegam as entidades indigenistas, o governo começou a mudar a forma de atuação na Funai. As entidades afirmam que o órgão passou a se alinhar ao discurso do presidente Jair Bolsonaro e ser permissiva à exploração de minérios na área indígena.
O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas, inclusive, precisou entrar com uma ação civil pública no final de 2019, cobrando o reforço às frentes etnicoambientais de proteção a isolados na região do Vale do Javari, que foram paulatinamente sendo enfraquecidas ao longo dos últimos anos. O reforço, porém, não foi feito.
Após pedir licença da Funai, Bruno passou a atuar junto com a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e a realizar, com a entidade, o trabalho de proteção da área e orientações de sustentabilidade ambiental com o povo que vive no entorno da terra.
Segundo Francisco Loebens, integrante no Amazonas da equipe de apoio a povos livres do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a operação foi importante para mitigar a invasão de garimpeiros na TI Vale do Javari.
“A operação teve a participação ativa de Bruno na sua articulação e foi motivada sobretudo pela denúncia de um possível massacre praticado por garimpeiros contra indígenas isolados, conhecidos na região por flecheiros, que habitam essa área”, afirma.
Segundo ele, a demissão causou “estranheza” porque Bruno era reconhecidamente “uma das pessoas mais qualificadas da Funai e respeitado por sua dedicação à proteção dos povos isolados”.
Com a saída de Bruno, a proteção aos indígenas isolados foi reduzida, segundo Francisco e outros servidores e indigenistas ouvidos pela coluna. Um dos pontos citados é que operações como a Korubo não foram mais realizadas desde então.
“Em 2019 houve, inclusive, um corte grande nos recursos para a atuação da Funai em relação aos povos indígenas isolados”, disse Francisco Loebens, do Cimi.
Com a entrada do pastor, diz, mudou completamente a forma como a coordenação da Funai atuava na proteção de povos isolados.
“A preocupação era com a conquista espiritual dos indígenas isolados. As bases de proteção etnicoambiental da Funai passaram a atuar em precaríssimas condições. A direção da Funai passou a agir abertamente contra os direitos indígenas —perseguição, tentativas de criminalização de lideranças indígenas e de servidores do órgão indigenista que atuavam em defesa dos direitos indígenas”, diz.
A partir daquele momento, o lobby a favor do garimpo só ganhou força na região. Por várias vezes, a imprensa nacional e internacional noticiou invasão de áreas, com destaque para a terra ianomami, em Roraima.
“Houve uma omissão total na demarcação e proteção dos territórios indígenas. Enfim, a Funai passou a ser a Fundação Nacional Anti-Indígena”, finaliza Francisco.
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