Comparação de Bolsonaro entre mortes de Bruno e Dom com caso Dorothy Stang não tem cabimento
O presidente Jair Bolsonaro (PL) reclamou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não foi tão cobrado pela mídia e pela sociedade na época do assassinato da freira norte-americana Dorothy Stang, em 12 de fevereiro de 2005. É verdade, mas é importante ressaltar que o comportamento da autoridade máxima do País foi completamente diferente naquela ocasião.
Ao se tornar pública a execução da freira com seis tiros na cabeça, Lula, segundo registros da época que estão na internet até hoje, imediatamente “determinou empenho máximo” e convocou uma reunião governamental de emergência, da qual saiu uma força-tarefa para esclarecer o crime.
“Lula jamais culpou a vítima e mobilizou tantos esforços governamentais para solucionar o crime e encontrar os culpados que foi até criticado pela mídia por isso”, lembra a jornalista Cynara Menezes.
“Dois ministros de Estado, Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, e Marina Silva, do Meio Ambiente, foram deslocados no dia seguinte para Altamira (PA) para acompanhar o caso de perto. Três dias depois, o presidente Lula mandou instalar um gabinete provisório do governo federal na área, além de interditar 8,2 milhões de hectares de florestas em terras da União junto à BR-163. O Exército criou um Disque-Denúncia para auxiliar nas investigações e deslocou 2 mil homens para a região. O autor dos seis disparos, Rayfran das Neves Sales, foi preso nove dias depois do crime”, observou a jornalista.
Ao comentar o caso, Lula declarou, em 2005: “É abominável que as pessoas ainda achem que um revólver 38 seja a solução para um conflito, por mais grave que ele seja. Não descansaremos enquanto não prendermos os assassinos. E mais do que isso: prender os mandantes para que a gente mostre, claramente, que no nosso governo não tem impunidade, que a Amazônia é nossa e que vamos tomar conta do nosso território com soberania, sem vacilação”.
No caso de Bolsonaro, ao se tornar público o desaparecimento de Phillips e Pereira, o comportamento foi outro. O presidente disse que ambos partiram para “uma aventura” ao transitarem pelo Vale do Javari, destacou que eles não tinham aval da Funai para entrarem em uma terra indígena e, por fim, disse nesta quarta-feira, diante de novas diligências da PF, que Phillips era mal visto na Amazônia por suas reportagens contra garimpeiros. No afã de eximir-se de responsabilidade, faltou pouco para Bolsonaro insinuar um duplo suicídio.
Os crimes de Chico Mendes em 1988 e Dorothy Stang em 2005 tiveram enorme repercussões e circunstâncias gravíssimas. Mendes estava sob proteção policial. Tomou um tiro de espingarda na companhia de dois policiais militares. Irmã Dorothy foi assassinada com a Bíblia na mão, vítima de um crime de mando. A reação dos governos federais de então, contudo, não provocou afronta.
A falta de empatia do presidente, para dizer o mínimo, potencializa o choque que o desaparecimento do jornalista e do indigenista provoca. Escandolosa também pode ser a forma como se lida com o problema, além do próprio problema.
“Com Lula, os criminosos da região amazônica se sentiam ameaçados. Com Bolsonaro, eles se sentem empoderados. Afinal, enquanto um proibia a mineração em terras indígenas, o outro libera; enquanto a ministra do Meio Ambiente de um protegia as florestas, o ministro do Meio Ambiente do outro passava “a boiada”; enquanto os seguidores de um pediam Justiça por Dorothy Stang, os seguidores do outro chamam Dom e Bruno de “vagabundos” e produzem memes atacando-os”, finaliza Cynara.