Vamos dizer que a situação seja estranha e que não passe disso. Mas o caso vai exigir investigação rigorosa do Ministério Público
Moisés Mendes*, em seu blog
Transcrevo abaixo, em nome do interesse público e da transparência, reportagem de Adriana Irion em Zero Hora sobre uma situação muito estranha envolvendo mais uma vez o nome da Havan.
Vamos dizer que a situação seja estranha e que não passe disso. Mas o caso vai exigir investigação rigorosa do Ministério Público. E a reportagem é o começo de uma história que precisa ser melhor contada.
Departamento Municipal de Águas e Esgotos decidiu desembolsar R$ 1,7 milhão por empreendimento da Havan
GZH – Adriana Irion
A decisão da direção-geral do Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae) de pagar R$ 1,7 milhão pela compensação vegetal de uma obra privada surpreendeu servidores e autoridades, já que esse tipo de ressarcimento costuma ser de encargo do empreendedor e não de órgão público.
Em despacho do diretor Alexandre de Freitas Garcia, assinado em 3 de maio e publicado no processo eletrônico que tramita sobre o empreendimento, está explicado que houve “acordo” para o município pagar a compensação em função de se tratar de “obra de utilidade pública e de grande importância para o escoamento das águas das chuvas”.
A obra em questão é o Centro Comercial Assis Brasil, um complexo onde foi erguida a primeira loja da Havan de Porto Alegre, inaugurado em agosto do ano passado (foto).
Um boleto foi emitido para que o pagamento seja feito com recursos do Dmae. O valor a ser desembolsado corresponde a 17,2 mil mudas a serem plantadas. Questionada pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) sobre a legalidade do pagamento, a prefeitura informou por meio de nota se tratar de procedimento dentro das normas legais e citou já ter ocorrido em outros casos.
O GDI também contatou o Ministério Público de Contas (MPC), que abriu expediente e pediu informações sobre o negócio para a prefeitura. Um mês depois de assinar o documento determinando o pagamento a partir de um “acordo”, o diretor-geral do Dmae fez novo despacho no processo eletrônico, em 3 de junho, dizendo:
“Encaminhamos expediente, para análise e parecer técnico, se há óbice legal para pagamento da Compensação Vegetal em questão”. Ou seja, agora, o Dmae pediu avaliação sobre a regularidade do pagamento.
O Termo de Compromisso assinado em outubro de 2020 entre município e Edmonton-Comércio e Serviços Ltda (no ato representada por Nilton Hang) prevê, no Título II, Das Obrigações do Compromissário, que: “Para o cumprimento das restrições e condições estabelecidas pelo Compromitente, o Compromissário compromete-se a atender todas as exigências mitigadoras e compensatórias decorrentes do impacto do empreendimento apontadas nos Pareceres das Comissões e nas licenças ambientais”.
Assim sendo, o empreendedor assume o pagamento de contrapartidas ao município para realizar sua obra. Mas no caso deste empreendimento da Havan houve mudança. Em documento do processo eletrônico consta que a decisão de a prefeitura pagar a compensação surgiu a partir de “uma vídeo reunião feita em abril de 2021”. O documento não tem informação sobre qual a base legal para o acordo e mudança de entendimento.
Contrapontos
O que diz a prefeitura de Porto Alegre:
Em resposta ao questionamento feito, a Prefeitura de Porto Alegre informa o seguinte:
1) O empreendimento em questão, localizado na avenida Assis Brasil, 11.120, teve como uma de suas contrapartidas a “compatibilização do canal de drenagem no trecho paralelo à avenida Assis Brasil com o gravame viário do alargamento da avenida Assis Brasil, de modo a minimizar o impacto nas futuras obras viárias”, conforme parecer favorável da Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (CAUGE) nº 137/2019.
Na gestão da Nova Política Urbana do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), cabe ao Município aproveitar as oportunidades empresariais, como projetos especiais, para promover estruturação urbana adequada da cidade. O Plano Diretor de Porto Alegre (LC434/1999) segue a determinação em seus artigos 21 e 23.
Essa produção da cidade está inserida no processo de compartilhamento dos ônus e dos benefícios do processo de urbanização, princípio inaugurado pelo Estatuto da Cidade e consolidado expressamente em Porto Alegre pelo Plano Diretor. São partes integrantes dessa produção o poder público, a população e a iniciativa privada. Nesse sentido, a supressão de vegetal, seja ela pública ou privada, deverá ser ambientalmente compensada, conforme Lei Complementar 757/2015.
2) A compensação vegetal decorrente do empreendimento em si foi executada integralmente pelo empreendedor.
3) A compensação vegetal a ser realizada pelo Dmae é da obra de interesse público de drenagem, que atende a toda a população da região. Ao Dmae coube tão somente a compensação arbórea, cujo custo é de cerca de um terço do total estimado das obras de drenagem”.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim).
Siga-nos no Instagram | Twitter | Facebook