Para teólogo, papa Francisco professa fé libertadora e Lula deve radicalizar políticas sociais
Pedro Alexandre Sanches, Opera Mundi
O teólogo Leonardo Boff afirmou no programa 20 minutos com Breno Altman desta sexta-feira (10) que o Papa Francisco mantém viva a Teologia da Libertação e que o movimento social, do qual é figura de referência, representa o futuro da Igreja Católica.
“O Papa Francisco vai criar uma nova genealogia de papas que vêm das periferias do mundo. Nós somos maioria, 24% dos católicos estão na Europa e 62% na América Latina”, argumentou o escritor, defendendo que “temos maioria e podemos reivindicar um papa que represente uma igreja viva, não mais colonial como a europeia”.
Para Boff, o modelo de religião criado no mundo rico está decadente, já que, de acordo com ele, “como decadente são toda a Europa e o Ocidente, e junto vai aquele tipo de igreja imperial, que assume o poder como centro”. Submetido em 1984 a um processo pela Sagrada Congregação para a Defesa da Fé (ex-Santo Ofício), o religioso foi condenado ao chamado “silêncio obsequioso” e foi deposto de todas as suas funções religiosas.
O ex-frei franciscano falou da centralidade da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base na formação do Partido dos Trabalhadores (PT) e de organizações sociais como o Movimento Sem Terra (MST). Boff defende a ligação entre a religião e a política, aquela que trata do bem comum e da qual todos deveriam participar, inclusive padres e bispos.
“A fé ajuda a ter boas opções e sempre se perguntar em que medida entram as grandes maiorias e os pobres em cada projeto político”, disse. O teólogo apontou que por trás de projetos que debatem a economia do país está a “elite do atraso interessada em fazer grandes fortunas à revelia e às custas dos pobres e da natureza”.
Boff defende o rompimento com antigos tabus e dogmas católicos impostos de cima para baixo, sempre a partir do princípio de que a igreja tem o dever de estar próxima ao povo, e não encastelada: “a igreja tem que se entender como um corpo dentro da sociedade entre outros grupos e organizações. Que tenha os dogmas dela, tudo bem. O que ela não pode é impor a todo mundo sua visão. Tem que se compor com os demais”.
Consequentemente, o catolicismo não deveria interferir em questões de liberdade individual, “desde que não implique opressão do outro”.
Futuro do Brasil
O teólogo espera do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem visitou na prisão, uma aproximação íntima com os valores caros à Teologia da Libertação num eventual próximo mandato. “Ele me disse que chegar de novo à Presidência é a última chance de sua vida em fazer uma grande revolução, e que vai fazer. Fará um discurso político para manter a unidade nacional, mas a prática vai ser radical a favor dos pobres, oprimidos, indígenas, mulheres, LGBTs e todos os que são violados diuturnamente”, narra.
Por outro lado, Boff se opõe frontalmente ao presidente Jair Bolsonaro, a quem só se refere como “o inominável”. A postura religiosa do direitista é um dos alvos de sua crítica.
“O inominável manipula a fé, comete continuamente um pecado contra o Segundo Mandamento, que é usar o santo nome de Deus em vão. No coração dele não tem Deus, tem ódio, desprezo, falta de cuidado da saúde do povo, maldade. É um homem submisso, refém do impulso de morte e não de vida”, afirmou.
O único mérito de Bolsonaro, diz, seria o fato de ter aberto as portas de uma dimensão da sociedade que é raivosa como ele e odeia covardemente os pobres e as minorias. “Eles, que eram invisíveis, agora se tornaram visíveis, violentos. Desse lado não está Deus, está Moloch, que exigia o sacrifício diário de uma criança”, comparou.
1984: processo no Vaticano
Boff contou durante a entrevista detalhes sobre o processo que enfrentou no Vaticano em 1984, liderado pelo cardeal Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI. Descreveu a pompa das vestes do cardeal, o ambiente soturno em que se defrontaram e o ato de censura por trás do silêncio obsequioso: “eles chamam de diálogo, mas é interrogatório mesmo. Galileu Galilei foi trazido de maca porque estava quase morrendo e interrogado”.
Sobre a contiguidade entre a Inquisição e a Sagrada Congregação para a Defesa da Fé, afirma que o nome foi trocado, mas edifício e a mentalidade são os mesmos: “só não queimam porque têm vergonha. Mas queimam intelectualmente”.
Boff lembrou o apoio dos cardeais brasileiros Paulo Evaristo Arns e Aloísio Lorcheider no processo e afirmou que ambos foram castigados e colocados à margem pelo Vaticano a partir do episódio. Segundo ele, Arns disse pessoalmente a João Paulo II que o papa fez a Boff o mesmo que os militares brasileiros faziam com seus opositores.
“Roma nunca esquece nada, Roma cobra tudo, Roma nunca perdoa”, sintetiza, em referência ao setor que ele classifica como triunfalista e, portanto, vergonhoso. As queixas contra a Teologia da Libertação, segundo ele, partia dos bispos mais reacionários e de empresários “catolicões” ligados a tradição, família e propriedade.
O julgamento de 1985, paradoxalmente, deu visibilidade e prestígio à teoria da libertação. “Hoje, graças a Deus, a Teologia da Libertação foi tão forte que conseguiu chegar no centro de Roma com um papa, Francisco, que se define como teólogo da Libertação e se reconciliou com todos nós que fomos condenados”, disse.
Em comentário sobre o avanço das religiões neopentecostais, criticou setores que encurtam a mensagem religiosa, reduzindo-a somente à prosperidade. Ele projeta o advento de uma nova religião, nem católica nem evangélica: “Sou da opinião que o futuro da igreja no Brasil e na América Latina não será católico. Será um sincretismo das muitas tradições – a europeia católica, a luterana, os pentecostais, as religiões afro e indígenas. Estamos fazendo uma síntese”, declarou Boff.
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