Após as notas de repúdio da F1, FIA (Federação Internacional do Automobilismo), Mercedes e Ferrari ao comentário racista do bolsonarista Nelson Piquet, o próprio Hamilton se pronunciou sobre a declaração direcionada a ele
Depois das notas de repúdio da F1, FIA (Federação Internacional do Automobilismo) e Mercedes ao termo racista usado pelo ex-piloto brasileiro Nelson Piquet, foi a vez de Lewis Hamilton se pronunciar sobre os comentários direcionados a ele.
“Vamos focar em mudar a mentalidade”, postou Hamilton no Twitter. O piloto inglês continuou sua resposta e disse que a mentalidade de Piquet é arcaica.
“É mais do que linguagem. Essas mentalidades arcaicas precisam mudar e não têm lugar no nosso esporte. Fui cercado por essas atitudes e alvo durante minha vida toda. Houve muito tempo para aprender. Chegou a hora da ação”, acrescentou o piloto inglês.
Antes disso, Hamilton repercutiu o tweet de um fã que diz: “E se Lewis Hamilton apenas tweetar: ‘Quem diabos é Nelson Piquet’ e então fechar o Twitter”.
Nelson Piquet
Em vídeo de entrevista ao jornalista Ricardo Oliveira, o apoiador de Jair Bolsonaro chama Hamilton de “neguinho” ao comparar os acidentes envolvendo Ayrton Senna e Alain Prost, em 1990, na largada do GP do Japão, e o que ocorreu 31 anos depois, no GP da Inglaterra.
O trecho da entrevista foi publicado pelo canal Enerto, especializado em automobilismo, e repercutiu nas redes, com críticas ao tricampeão, que teve a fala apontada como racista. O termo quando usado de maneira pejorativa ou com a intenção de ofender é considerado racista.
“O neguinho [Lewis Hamilton] meteu o carro e não deixou [desviar]. O Senna não fez isso. O Senna saiu reto. O neguinho meteu o carro e não deixou [Verstappen desviar]. O neguinho deixou o carro porque não tinha como passar dois carros naquela curva. Ele fez de sacanagem. A sorte dele foi que só o outro [Verstappen] se fodeu. Fez uma puta sacanagem”, afirmou o tricampeão mundial.
Recalque e racismo
“Trocar o nome do principal atleta da Fórmula 1 na atualidade, além de desrespeito ao esporte que fez carreira, demonstra recalque diante da trajetória exitosa de Hamilton. Deve ser difícil admitir que nem ele próprio, nem seus privilegiados filhos conseguiram chegar perto do lugar alcançado pelo jovem negro britânico. Além das vitórias nas pistas, Hamilton é um fenômeno de simpatia e engajamento social, cuja popularidade pode ser comparada somente a do brasileiro Ayrton Senna, outro atleta que a família Piquet nunca conseguiu superar.”, observou o jornalista André Santana.
O escritor Gabriel Nascimento, que é doutor em Letras pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia, explica que as palavras servem para sistemas de hierarquia, entre elas, as hierarquias raciais estruturadas pelo racismo.
Nascimento afirma que nem sempre o termo neguinho —de uso comum no interior da comunidade negra para demonstrar afeto— tem intenções racistas.
“Mas, quando se trata de pessoas negras públicas que conseguiram conquistar espaços muito importantes na vida, esses termos servem para diminuir as pessoas.”
“Com isso, um mesmo termo pode ter significados diferentes a depender do contexto e das intenções de quem utiliza. A resposta de Piquet era uma crítica direta à postura de Lewis Hamilton, logo não havia nenhuma intenção em elogiar ou demonstrar afeto pelo atleta”.
O especialista diz que o termo utilizado é indexar, que significa o mesmo que colar o significado ao contexto —ou seja, uma palavra terá um significado diferente a cada contexto do diálogo.
A palavra neguinho, em ambientes profissionais e naquele contexto da entrevista serve para inferiorizar o status da pessoa, a condição de ser humano. Lewis Hamilton é um jovem ativista, que se identifica com as mais diversas causas, como a ecológica e o racismo. Referir-se a ele como neguinho é racismo porque ele deixa de ter nome.”
Repercussão
Mais cedo a Fórmula 1, a FIA e a Mercedes condenaram a fala de Nelson Piquet nas redes sociais. Todas as instituições se mostraram muito incomodadas com a aspa do brasileiro.
“A FIA condena veementemente qualquer linguagem e comportamento racista ou discriminatório, que não tem lugar no esporte ou na sociedade em geral. Expressamos nossa solidariedade com Lewis Hamilton e apoiamos totalmente seu compromisso com a igualdade, diversidade e inclusão no esporte a motor”, disse a entidade.
“Linguagem discriminatória ou racista é inaceitável de qualquer forma e não deve fazer parte da sociedade. Lewis é um embaixador incrível do nosso esporte e merece respeito”, diz o comunicado da F1. Seus esforços incansáveis e e a inclusão são uma lição para muitos e algo com o que estamos comprometidos na F1″, reforça o comunicado da F1.
“Condenamos nos termos mais fortes qualquer uso de linguagem racista ou discriminatória de qualquer tipo. Lewis liderou os esforços do nosso esporte para combater o racismo e ele é um verdadeiro campeão da diversidade dentro e fora das pistas. Juntos, compartilhamos a visão de um automobilismo diversificado e inclusivo, e este episódio destaca a importância fundamental de continuar lutando por um futuro melhor”, escreveu a Mercedes — exaltando os feitos de Hamilton contra o racismo no esporte.
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