Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Estavam os três bebericando uísque com gelo. Talvez gostassem mais do som das pedrinhas se batendo ao balançar o copo, como se fossem galãs das antigas novelas das oito, do que propriamente do sabor maltado da bebida. Na verdade, um o tomava com energético, prática adotada há não muito tempo. Em comum tinham a faixa etária (nos seus quarenta e poucos mal vividos e bem aparentados), o estado civil (divorciados em litígio) e o gosto amoroso (os três se diziam ex-apaixonados enganados).
Os assuntos corriam à banalidade costumeira: taxa de juros do financiamento automotivo, futebol e se revezavam a relatar acontecidos no trabalho, quando os dois restantes fingiam interesse. Ah, e claro, as supostas decepções amorosas.
Um chamou o garçom e o reprimiu pela música que tocava, daquela cantora popularesca de som ruim. Que colocasse o sertanejo do momento.
Nessa ocasião, o garçom ouviu de um mais dos insistentes lamentos com relação à ex. Como tinha certa intimidade, ousou dizer que achava que o cliente estava errado. Ele bem conhecia a história. A ex não era assim tão ruim. Iludido estava agora.
Outro se intrometeu. Acusou o garçom de ser muito novo para compreender a real dimensão do que acontecia. Ademais, quem entendia de amor eram eles, já maduros, já vividos, já experimentados na arte da paixão. Que fosse lá pegar agora uma lonk neck envolta em guardanapo.
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Foi nesse ínterim que ela chegou. Esbelta e esguia. Lançava olhares sedutores a empolgados ingênuos, ou a aqueles que gostam de se deixar enganar. Tenteou o garçom, jovem, bonito e com vitalidade. Mas ele, apesar da pouca idade, sabia das histórias, ao contrário do que acusavam os clientes, ali, já boquiabertos e salivantes. Esses três estavam em êxtase. Ela lhes atiçou os fetiches. Vestia uma saia a palmo acima do joelho. Usava uma bota em forma de coturno, com um salto fálico emborrachado de uns vinte centímetros. Usava laranja no vestido justo. O cabelo preto e liso como um chocolate europeu fino.
Ela se mostrava novata, embora já contasse bem mais de trinta. O garçom tentou alertar. Ela já estava “nessa vida” (cês sabem do que ele estava falando, né?) há tempos. Um do grupo quis se exaltar. Qual o quê? Ela não era disso.
De tanto se insinuar, os homens a chamaram. Que tomasse assento.
Um começou a falar (mal) da ex. Ela concordou. Vagabunda!, repetia em uníssono aos novos amigos.
Outro propôs com ousadia e malícia explícita: que parassem de falar do passado. O que passou, e foi ruim, enganação, passou. Vamos pensar no agora em diante. E propôs um brinde, sem conseguir desviar de sua boca dissimulada, que balbuciava frases ininteligíveis. Uma arma fatal, capaz dum genocídio, ele pensou num frenesi.
O garçom olhava contrariado, como se adivinhando o porvir. Ela retribuía o olhar com desdém, mas não dizia nada.
Passaram horas. Marcaram de se ver novamente. Só quado ela foi embora perceberam. Esqueceram de lhe perguntar o nome.
O garçom logo descobriu quem ela era. Arrumou outra briga com os clientes tentando explicar.
E todas as noites ela voltava em busca tendenciosa de conversas com os clientes tipo esses.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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