Com embaixadores, Bolsonaro cometeu conjunto inédito de crimes de uma só vez. Nos cerca de 50 minutos que durou o encontro com diplomatas, presidente incorreu em crimes de responsabilidade, de improbidade, contra o Estado de Direito e a Lei Eleitoral. Acuado com a proximidade da derrota em outubro, mandatário anuncia à comunidade internacional que pretende melar as eleições
RBA
No encontro que teve ontem com embaixadores, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro tentou legitimar o seu discurso golpista frente à comunidade internacional, num “papelão ridículo” que “envergonhou o país”. A avaliação é do cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto.
Na tarde de ontem, Bolsonaro convocou embaixadores de diversos países e fez uma exposição de teorias conspiratórias e mentiras repetidas para desqualificar o sistema eleitoral brasileiro. Atacou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a credibilidade das urnas eletrônicas, sem apresentar uma única prova.
As mesmas urnas que garantiram a ele, bem como aos seus três filhos, inúmeros cargos eletivos, entre eles a própria Presidência da República. Contudo, para o analista, o prejuízo junto ao eleitorado que possa resultar da cena de ontem já não parece pesar para o presidente. “Não tem problema para alguém que não está preocupado em vencer democraticamente, mas na força, não ganhar votos com o evento ridículo, como esse que ele promoveu ontem. O que interessa é criar um ambiente que seja favorável a essa tentativa de golpe”, disse Couto
Para Couto, o que aflige Bolsonaro é a provável derrota nas eleições deste ano, como apontam as pesquisas. “O presidente ganhou sete vezes para deputado, elegeu os seus três filhos para diversos cargos. Ou seja, nunca teve qualquer problema com esse processo eleitoral. Agora, percebendo que vai perder a eleição, começou a enxergar defeitos no sistema”, observou.
Do mesmo modo, o jornal norte-americano The New York Times relata que os diplomatas ficaram “abalados” com o espetáculo promovido por Bolsonaro. “Esses diplomatas temem que Bolsonaro esteja preparando as bases para uma tentativa de contestar os resultados da votação em caso de derrota”. E dizem que o mandatário brasileiro segue a tática do ex-presidente Donald Trump. “Assim como Trump antes das eleições de 2020 nos EUA, Bolsonaro está atrás nas pesquisas”.
Esse tipo de postura do presidente, “não surpreende”, afirmou. Para ele, o “mais preocupante” é a participação dos militares. Compareceram ao evento o ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria-Geral da Presidência, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Além disso, o único representante do Poder Judiciário no evento foi o ministro do Superior Tribunal Militar (STM) Luis Carlos Gomes Mattos. Todos generais da reserva.
“Mostra que os militares, pelo menos uma parcela deles, aqueles que estão ali no governo, têm realmente interesse em produzir confusão”, disse Couto. “Têm interesse em eventualmente criar justificativas, pretextos, para algum tipo de ruptura violenta da ordem institucional, da ordem democrática”, alertou.
Nesse sentido, Couto afirma que Bolsonaro utiliza o Exército como uma espécie de “guarda pessoal”. Por sua vez, esses militares obedecem a “ordens ilegais” emanadas do presidente, confundindo o papel constitucional que lhes é atribuído. “Não percebem que o seu lugar não é ali. Não é na política. Seu lugar é nos quartéis, cumprindo ordens que lhes são dadas por políticos democraticamente eleitos. Mas não ordens Ilegais, essas eles não podem cumprir. Mas estão fazendo isso.”
Um crime atrás do outro
Na notícia-crime que apresentaram nesta terça-feira (19) ao Supremo Tribunal Federal, deputados de oposição enfatizam que os embaixadores assistiram a uma fala golpista de Jair Bolsonaro. Os diplomatas testemunharam ontem um conjunto talvez inédito de crimes cometidos por um chefe de governo em um mesmo evento. Na petição, os parlamentares mencionam crimes de “traição contra seu povo” perpetrados pelo presidente.
A Lei 14.197/2022 acrescenta dispositivos ao Código Penal brasileiro. Entre as previsões, “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A previsão de pena para este crime é de reclusão de quatro a oito anos.
No capítulo II, a lei também considera passível de punição os “crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral”. “Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral” é tipificado e gera pena de reclusão, de três a seis anos, e multa.
Bolsonaro também cometeu crime de responsabilidade, que seria passível de impeachment. São enquadrados dessa maneira os atentados do atual mandatário contra a Constituição Federal no que se refere ao livre exercício do Poder Judiciário. “Com seu discurso absurdamente ameaçador e causador de grave constrangimento ao Brasil perante o mundo”, diz a petição, Bolsonaro atentou contra o livre exercício das atribuições legais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, abalou a segurança interna do país “com o discurso claramente golpista e autoritário, diante de representantes oficiais de Estados”.
O presidente ainda agiu com evidente improbidade administrativa, ao utilizar indevidamente recursos públicos para fins pessoais e eleitoreiros, engrossando também a lista de crimes de responsabilidade que cometeu.
Os deputados citam ainda crime contra a Lei das Eleições, por Bolsonaro fazer propaganda eleitoral antecipada e “desestabilizar a credibilidade de um dos pilares da soberania popular, o sufrágio universal pelo voto livre, secreto e direto”. Um dos crimes elencados na petição – divulgar em propaganda fatos que sabe inverídicos sobre partidos ou candidatos – prevê pena de detenção de dois meses a um ano ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.
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